A QUEM INTERESSA RESIDÊNCIAS MAIS SILENCIOSAS? A TODOS? É AÍ QUE VOCÊ SE ENGANA!
Edison C. Moraes – Pesquisador, diretor da Atenuasom, diretor da Sociedade Brasileira de Acústica (Sobrac) e criador do simpósio Vidrosom, que acontece anualmente em São Paulo
Você sabia que existe uma norma em tramitação que estabelece os índices mínimos aceitáveis para seu conforto auditivo? É a NBR 15575, que deveria entrar em vigor neste mês de novembro. Só que essa tão aguardada norma, que após vários anos de discussões, finalmente passaria a valer, por uma manobra sutil vai ter seus parâmetros revisados, podendo esse processo se estender por mais dois anos. E mais, além do adiamento, a previsão é que seus índices mínimos, que já eram superiores aos do restante do planeta, sejam alterados para cima.
A quem interessa que a NBR 15575 tenha seus parâmetros revisados? E qual o nível de ruído mínimo aceitável para uma moradia? A norma pretende atender milhares de vozes que clamam por residências mais silenciosas. A estes teremos que explicar que seus desejos foram adiados e que os índices mínimos aceitáveis não serão atendidos. Ou seja, durma com este barulho e saiba que ele está previsto em lei. Você do segmento da construção civil (vidros, esquadrias, revestimento, pisos e paredes) tem muito a ver com isto. A justificativa para esse adiamento é que seu setor não está preparado para atender às exigências da nova norma. Será que é verdade? Ou talvez esse adiamento só atenda aos interesses dos que militam na via contrária à evolução do setor construtivo nacional?
Durante as últimas décadas assistimos à utilização de materiais cada vez mais leves sendo aplicados em pisos, paredes, esquadrias e na construção civil como um todo. Esse processo permitiu às construtoras obterem custos cada vez mais baixos, sem reduzirem um centavo no preço final dos imóveis vendidos aos mortais que os adquiriu. Se duvidar, acompanhe as pesquisas sobre o valor dos imóveis construídos nos últimos anos. Este cenário contribuiu para um péssimo desempenho acústico das construções realizadas nesse período. Constatar isso é muito simples, basta comparar um prédio dos anos 70 com um dos anos 90 para se deparar com paredes, pisos, janelas e vidros com baixo desempenho acústico e cada vez mais leves.
A Norma tem por finalidade, estabelecer parâmetros mínimos obrigatórios de qualidade para alguns sistemas, como estruturas, pisos internos, paredes e vedações, coberturas e sistemas hidrossanitários ao longo da vida útil de um empreendimento. Com isso, há a expectativa que sua aplicação possa mudar a forma como as habitações brasileiras passarão a ser construídas. E dentre estes requisitos está o mais polêmico dos itens: Desempenho Acústico.
O que está em jogo não é a forma como um edifício é construído e sim o desempenho dos materiais quando utilizados. A Pretensão da norma é atender milhares de vozes que não suportam mais morar em edifícios barulhentos aonde, como por exemplos, ouve-se o caminhar e o xixi do vizinho do andar de cima. Incrível é a justificativa que utilizaram para o adiamento: que a cadeia de fornecedores da construção civil não está capacitada a atender às novas exigências previstas.
Com a aprovação da NBR 15575, na prática, as construtoras que trabalhavam em níveis abaixo de um mínimo aceitável, teriam seus custo aumentados. É aqui que o bicho pega e o resto é papo furado.
A indústria do vidro, por exemplo, fez o seu papel e se preparou. Temos hoje no mercado vidros duplos, laminados, seletivos e outros que atendem perfeitamente às necessidades previstas na norma que não sai do forno.
Temos ociosidade muito grande nos beneficiadores que se prepararam para fornecer vidros acústicos (duplos em especial) nos mesmos patamares de nossos vizinhos argentinos, por exemplo.
Não dá para aceitar que um vidro de 3 ou 4 mm, amplamente utilizado por nossos construtores, resolva o problema de barulho dos imóveis construídos.
A quem interessa esta revisão? Provavelmente os habitantes dos grandes centros urbanos que convivem com o inferno da poluição sonora não estão interessados. Esta, por sinal, já foi feita e, refeita e ninguém ficou sabendo.
A grande questão envolve os parâmetro mínimos aceitáveis para as condições de moradia. No mundo inteiro o mínimo aceitável para uma boa noite de sono é 35 dB. No Brasil depois de muita discussão este numero subiu para 39 dB, pois os interessados alegaram não estarem preparados para atender tal índice, pois isto implicaria em aumentar os custos dos materiais envolvidos na construção das moradias.
Embora para o leigo possa parecer pouco, o número de 35 para 39 dB, representa quase que 50% a mais na sensação auditiva. Pesquisas adotadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) comprovam que o ideal para o sono absoluto é no máximo 35 dB. Eu me pergunto se nossa audição é diferente dos demais seres humanos do planeta cuja norma prevê o índice menor. Ou isto é pouco caso com nosso povo?
Você que é do segmento da construção civil neste país está sendo desmoralizado e responsabilizado por este absurdo do adiamento. Pois sem que você saiba, o principal argumento é que sua empresa não tem condições de atender as exigências previstas na nova norma. A verdade é que o segmento da construção civil sempre atendeu às exigências solicitadas e estas sempre exigiram menores custos, ou seja materiais leves e, de custo baixo. Basta (as construtoras) solicitarem produtos com melhor desempenho que o segmento rapidamente se organiza e o atende, como sempre fez. O fato é que a miopia empresarial dominou o segmento. Os construtores não enxergam a grande oportunidade que a acústica oferece – valor agregado – marketing – produtos melhores. Podemos perder a chance de copiar o exemplo da indústria automobilística, na qual até o mais simples consumidor não quer mais um carro “pé de boi” , pois passou a compreender a importância de investir em bons produtos como forma de obter bons retornos no futuro. Se realmente os parâmetros forem aumentados, ou seja, o mínimo aceitável e previsto pela OMS não for respeitado, eu questionarei a razão de existir da Norma. Será melhor ficarmos sem ela.
Respeito muito os profissionais que lutaram pela aprovação da norma com os índices mínimos aceitáveis e foram derrotados. E aos vencedores tenho uma sugestão. Como ela vai ter seus parâmetros aumentados, sugiro que se coloque uma letra no final da Norma: NBR 15575 G – G de genérico.
Fonte: Revista Tecnologia do Vidro