Palavras do arquiteto e urbanista Gustavo Restrepo, um dos responsáveis pela transformação da cidade
As escadas rolantes e os teleféricos que levam aos bairros pobres no alto da montanha, os parque-bibliotecas, o sistema de transporte de massa tornaram Medellin, na Colômbia, reconhecida pelas boas práticas de soluções arquitetônicas e urbanísticas. Dai pensar que esses projetos devem ser replicáveis pontualmente em outras cidades – como tem ocorrido – vai uma distância enorme, alerta Gustavo Restrepo, arquiteto e urbanista colombiano. Com a autoridade de quem coordenou a reabilitação de áreas degradadas como a Comuna 13 e a implantação do Metroplus, marcos no processo de transformação da cidade mais violenta do mundo nos anos 70 na mais criativa em 2013 segundo a BBC, ele afirma que “o que se deve copiar é a metodologia”.
São duas as premissas, disse ele em entrevista para o CAU/BR, durante sua permanência em Pernambuco para participar do Urban Thinkers Campus Recife. A primeira premissa é que os arquitetos e urbanistas devem se ver como “uma” roda de uma engrenagem, não como “a” engrenagem do planejamento urbano, que se tornou muito mais do que uma tarefa de organização espacial. “É uma tarefa multidisciplinar que envolve assistentes sociais, advogados, médicos, engenheiros e outros profissionais que se unem para construir os sonhos de uma comunidade”.
A segunda é que o cliente do planejador urbano não é o alcaide (prefeito) ou seus secretários, mas os cidadãos. “Nós temos que trabalhar com as pessoas. São elas que têm problemas, que não são iguais para todos, cada bairro é distinto, assim como seus sonhos”
A metodologia tem o social como plataforma e três fases: antes, durante e depois. O impulso inicial foi pela decisão política de um alcaide de lançar o programa “Medellin, la mas educada”, baseada no diálogo e na conciliação, com o objetivo de superar o medo do tráfico de drogas e assassinatos. “Só a educação coletiva, entretanto, não basta. É preciso também a participação do cidadão e isso é uma atitude intrínseca, ele tem que assumir-se como gestor de seu próprio crescimento, não ficar só se queixando do poder público”. Em Medellin, essa nova cultura cidadã foi fundamental para a implementação de um plano de desenvolvimento urbano integrado, alavancador da Medellin pós Pablo Escobar.
HISTÓRIAS E SONHOS – A primeira fase da metodologia, diz Gustavo Restrepo, é justamente saber quais são os sonhos da comunidade. “Para se chegar a eles, nada melhor que pedir para as pessoas contarem suas histórias de vida. Uma volta às raízes”. É a etapa em que atuam basicamente os assistentes sociais, que buscam identificar quais são os lideres locais, seja um antigo comerciante, uma senhora bordadeira ou o garoto que é “o dono da bola” no time de futebol infantil.
“Nesse diálogo precisamos construir confiança. Por exemplo, em Medellin nunca perguntamos às pessoas sobre as drogas, se há alguém da família nesse mundo. Se as pessoas se sentirem à vontade elas contam, mas nesse aspecto o que mais nos importa é identificar os pontos de drogas, dado fundamental para construirmos rotas seguras para as pessoas caminharem pela comunidade”.
PROJETO – Feitas as entrevistas, começa a segunda fase da metodologia: entram em cena os arquitetos, que passam a percorrer a região em companhia dos lideres. Em média, seis quadras por dia para cada profissional. “Nessa caminhada as pessoas vão contando os problemas de cada área, a necessidade de um posto de saúde perto de uma escola, os pontos mais vulneráveis e assim por diante”, conta o urbanista. No final do dia, os dados colhidos pela equipe são cruzados e transferidos para um mapa digital georeferenciado.
O resultado é uma radiografia integral do território, seus problemas e os sonhos coletivos dos moradores. São feitos, então, mapas enormes que, espalhados pelo chão de algum lugar coberto, permitem às pessoas terem uma visão geral – inclusive debruçando-se sobre os desenhos – das soluções urbanísticas e equipamentos públicos imaginadas, Só após serem colhidas suas opiniões finais os projetos executivos são elaborados.
Foi assim que aconteceu na Comuna 13, um bairro pobre no alto da montanha, que lá correspondente às nossas periferias. Nele vivem 350 mil dos 2,6 milhões de habitantes da cidade. A “escalera eléctrica” resolveu o problema do acesso ao morro . Foram criadas “centralidades” em torno de equipamentos com escolas e creches, “pequenas acupunturas ” unindo umas às outras por transporte de massa e “rotas seguras” para pedestres. Sem que esse fosse o objetivo, as inovações urbanas tornaram a Comuna 13 um ponto turístico.
PRIORIDADES – A terceira fase da metodologia é continuar junto com a comunidade, mantendo o que já foi feito e seguindo com outros projetos. A manutenção conta com o zelo especial da comunidade pelos equipamentos, não só por sua participação na concepção mas como fruto da nova cultura cidadão criada na cidade. Dos 44 projetos imaginados para a área, 22 já foram executados por diferentes administrações. É muito importante haver continuidade, “pois a administração tem que crescer junto com o cidadão desde que ele é criança até a fase adulta”.
Da mesma forma é preciso saber estabelecer as prioridades. “Identificamos as áreas problemáticas com três cores, conforme uma gradação de problemas: vermelho, amarelo e verde. Sempre começamos pelas amarelas, pois têm um grau de complexidade médio e servem de referência para as ações nas outras”.
Outro dado importante da metodologia é a preocupação em promover a integração urbana sem a gentrificação mantendo a identidade do lugar. “Arquitetura é ética”, diz Restrepo.
EXECUÇÃO – Os projetos são executados em parte pela Empresa de Desenvolvimento Urbano (EDU), outros por arquitetos escolhidos pelo reconhecimento público em determinadas especialidades e há ainda os concursos. Esses são de três categoriais: municipais, nos quais só participam profissionais estabelecidos na cidade; nacionais, para arquitetos de todo o país; e internacionais, ou seja, não restritos aos profissionais colombianos.
Gustavo Restrepo: “Se queríamos uma cidade educada, que incentivasse as pessoas a conversarem e chegarem a consensos, tínhamos que garantir a diversidade. Nesse sentido, os concursos ajudaram muito, trazendo uma diversidade de soluções arquitetônicas e urbanísticas, além de nos trazerem um reconhecimento nacional e, em alguns casos, também internacional”.
Uma exigência dos concursos é a inclusão de profissionais de outras áreas, em coerência com a visão multidisciplinar da administração. O júri é composto de um representante da comunidade, um arquiteto e pelo alcaide, “uma vez que ele foi eleito para representar a população e deve estar cercado de pessoas aptas para governar”. Os envelopes com as avaliações são abertos ao mesmo tempo. “Os projetos são sempre da municipalidade, ainda que os direitos autorais dos autores sejam preservados”.