No final de julho, com pompa, circunstância e apoio de movimentos populares, o prefeito Fernando Haddad sancionou a revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE) aprovada pela Câmara Municipal de São Paulo. Mais uma vez, o poder executivo municipal estabeleceu as regras para a ocupação territorial da cidade definindo as áreas a serem adensadas e como usá-las, conforme as atividades nelas desenvolvidas. E, assim, deu por equacionado o desafio de se resolver o gigantesco caos em que se transformou a metrópole paulistana.
No entanto, como se viu, no dia seguinte ao ato do prefeito, a cidade continuou sendo exatamente como sempre foi exceto, é claro, pelo aumento do preço dos imóveis nas novas áreas definidas para o adensamento pretendido, impulsionado pela exclusividade adquirida e pela cobrança da “outorga onerosa”. O que acontecerá daqui por diante depende muito mais do acaso e de uma competente gestão da dinâmica gerada pelos reais agentes que influem no processo de ocupação do território paulistano do que do conteúdo da revisão do PDE ora sancionado.
Nesta matéria, porém, nossa expectativa é bastante modesta, considerando que junto com as novas diretrizes não se aprovou nenhuma instância de gestão de todo o processo como, por exemplo, uma Agência de Desenvolvimento Urbano, capaz de articular de forma proativa os vários atores que produzem o espaço da cidade, propondo com agilidade a correção de rumos que se revele necessária para que se alcancem as benesses propostas pelo PDE.
Assim, não será estranho se logo, mais uma vez, venha a ser culpada pelo fracasso nos resultados a “especulação imobiliária”, este ectoplasma sem face ou endereço contra o qual investem homens públicos e urbanistas atribuindo-lhe, recorrentemente, a causa do caos paulistano, sem atentar para o fato de que o poder público, que estabelece as regras do jogo, responde solidariamente pelo resultado de sua ação.
Veja-se, por exemplo, o que aconteceu na Vila Madalena, bairro popular em sua origem e hoje ícone da vida noturna paulistana. Há cerca de 40 anos, nem sequer tinha as ruas asfaltadas até ser classificado como Z3, pela Lei de Zoneamento, dos anos 1970, viabilizando, assim, a sua verticalização. O objetivo explicito era adensar a área em torno da estação do Metrô – que só seria inaugurada em 1998–, ao mesmo tempo, em que recebia um conjunto habitacional popular, financiado pelo BNH – Banco Nacional da Habitação, cuja vizinhança tem hoje empreendimentos vendidos na planta por R$15mil/m².
Por razão fortuita, viveu uma verdadeira revolução transformando-se inteiramente. E o que teria sido um adensamento de moradias populares acabou se convertendo num uso misto de residências, comércio e serviços marcados pela intensa vida boêmia, que atrai moradores de faixa de renda bem acima da população original. Reproduz a dinâmica da “gentrificação”, termo que define o fenômeno da “expulsão” de antigos moradores de áreas que passam por intensa renovação urbana.
Onde está a gestão desse processo? Não há. Antigos e atuais moradores,
com expectativas e recursos completamente diferentes e, às vezes, conflitantes
dividem espaço com lojas de grife que substituem antigos negócios locais, que perdem a clientela e o seu sentido. Ou, apenas, convertem-se na possibilidade lucrativa de um novo lançamento imobiliário.
Alguém para intermediar o processo? Pergunte aos proprietários do Teatro Brincante…Assim, o que se pode esperar, por exemplo, de Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), localizadas em áreas cujo preço atual já alcança a faixa de R$ 10mil/m², conforme previsto no PDE? Como viabilizá-las? Um verdadeiro enigma que se estabelece enquanto, por outro lado, a cidade dispõe de uma região onde o aproveitamento dos lotes poderia ser, não quatro, mas 20 vezes a sua área, como no Centro Histórico, onde há farta infraestrutura urbana e gabarito já consolidado em ícones como o Copan e o Martinelli, sede da própria Secretaria de Desenvolvimento Urbano… Planejar é necessário, mas a sociedade paulistana contemporânea precisa da gestão das demandas de seu próprio desenvolvimento autônomo e não apenas da tutela regulatória do Estado. Gestão é preciso!
Fonte: O Estado de S. Paulo