Benjamin Moser tornou-se best-seller nos Estados Unidos escrevendo sobre o Brasil e, na sequência, fez sucesso também por aqui. Autor da biografia Clarice, sobre Clarice Lispector, publicada em português pela Cosac Naify e, nos Estados Unidos, com o título de Why this World? (Oxford University Press), Moser lança agora um breve ensaio sobre o quanto o projeto monumental da construção de Brasília tem a dizer a respeito do pensamento nacional.
Cemitério da Esperança, e-book editado pela Cesárea, é um texto no qual Moser (que é do Texas e vive hoje em Utrecht, na Holanda) analisa as grandes reformas urbanas brasileiras e encontra nelas um ponto em comum: a ideia de apagar os problemas do Brasil passando uma borracha no espaço público e recomeçando do zero seguindo modelos importados.
Nenhum lugar, para Moser, representa tanto essa ideologia quanto Brasília, capital construída no meio do cerrado, joia da arquitetura modernista e que deveria representar o ingresso da nação em um futuro grandioso que o Brasil mereceria por seu infinito potencial. O resultado é uma arquitetura melancólica, feia e desumana, na visão do jornalista.
Publicado em e-book e comercializado diretamente no site da editora (cesarea.com.br) por R$ 3, o livro de Moser é também uma ação militante. A renda do livro será revertida para o movimento Ocupe Estelita, que surgiu em oposição a um projeto imobiliário de luxo em Recife.
Chamado de Novo Recife, o empreendimento pretende levantar 12 torres na região do cais, próximo ao centro histórico da capital pernambucana o Ocupe Estelita luta por um projeto alternativo para a área que não descaracterize nem elitize o espaço.
Mais feio
Moser é um visitante recorrente do Brasil e diz que as pessoas estão muito desmotivadas com o que vem acontecendo em todas as cidades do país, sem nenhuma exceção que conheça, nos últimos 20 anos. Para ele, o país está cada dia mais feio e todo mundo o sabe.
Ele defende que existem atitudes possíveis. Há, no Brasil ou no mundo, pensadores e arquitetos que falam desses problemas [arquitetônicos], e oferecem soluções maravilhosas, há quase 50 anos, diz. O povo precisa exigir governos que começam pelo que já temos, pelo que já aprendemos. E os intelectuais, por sua vez, precisam educar as pessoas para que elas entendam que um shopping monstruoso não é uma inevitabilidade do destino, simplesmente. É uma escolha política que precisamos rejeitar.
Não ficção
No livro , Benjamin Moser comenta que Brasília é o ápice de um pensamento nacional de construir um futuro escondendo os problemas do passado:
Estrangeiro
Para o autor, que é americano, o estrangeiro tem obrigação de falar coisas que a maioria dos brasileiros não falaria. Não porque não saibam ou não queiram. Mas entrei na briga contra Caetano Veloso e o projeto de censura às biografias [em 2013] justamente porque sei como é difícil para os jornalistas brasileiros, os escritores brasileiros. Como estrangeiro, posso falar, porque não dependo do Brasil, não vivo aqui, explica.
Silêncios
O biógrafo de Clarice Lispector diz que o projeto de censura às biografias, como tantas coisas no Brasil, não é uma ameaça direta. Esse não é o estilo brasileiro. Mas é um aviso. Porque quem vai comprar briga com gente poderosa? Então há grandes, imperdoáveis silêncios no Brasil, diz.
Monumentos
O ensaio de Moser compara Brasília a um tipo de arquitetura monumental própria de regimes ditatoriais. Há quem diga que o próprio golpe militar foi resultado de Brasília. Não foi o único motivo da crise econômica, mas era uma coisa que endividava o país bastante. E a crise econômica era uma grande justificativa para o golpe. Depois, naquele sonho de Ordem e Progresso, os militares sentiam-se perfeitamente à vontade, explica.
Fonte: Gazeta do Povo