“A indignação popular manifestada nas ruas já disse tudo. Mais que discursos, é a hora de agir” (Haroldo Pinheiro)
Nesse 15 de dezembro, data de fundação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil e do aniversário de nascimento de Oscar Niemeyer, comemora-se o Dia do Arquiteto e Urbanista.
É sempre bom nos confraternizamos com colegas, para homenagearmos não só os grandes nomes da profissão. Há que se lembrar também aqueles anônimos profissionais, igualmente importantes, servem às suas comunidades pelo Brasil afora. Dados do CAU/BR registram os serviços prestados por arquitetos, entre 221 atividades possíveis, em todos os municípios brasileiros.
Alguns nos chamam de utópicos. Que assim seja, desde que isso signifique empregar nossa criatividade na crença de um futuro melhor. Não me refiro apenas à concepção de obras grandiosas. Arquitetura e Urbanismo de qualidade é direito de todos, assim como, para citar dois exemplos, a Educação e a Saúde. Um bom projeto arquitetônico para uma pequena escola na periferia, que expresse bem a utilidade do prédio, com beleza e segurança, demonstra aos estudantes o quanto a sociedade se orgulha e acredita neles. Um hospital, desenhado e construído com espaços adequados, materiais corretos e sustentabilidade, certamente dá melhores condições para médicos e enfermeiros exercerem sua nobre profissão.
A situação dramática a que chegaram nossas cidades, em especial as maiores, em quesitos como habitação e mobilidade urbana, levou a população às ruas – e essa indignação popular já disse tudo. Mais que discursos, é a hora de agir.
No plano federal, a renovação do Executivo cria condições para a presidente da República dar ao Ministério das Cidades a configuração que sempre se esperou dele. Seu papel não é tocar obras do PAC, mas sim articular suas próprias ações e as dos diversos ministérios em benefício das cidades e coordenar a formulação de uma Política Urbana de Estado. Uma Política interdisciplinar, em que a ocupação do território brasileiro esteja em harmonia com as políticas de desenvolvimento econômico e social de médio e longo prazo.
O Congresso, por sua vez, tem o dever de envolver a sociedade em debates de projetos que utilizem os instrumentos do Estatuto da Cidade, uma conquista histórica ameaçada de desfiguração por interesses menores. Risco aliás que se corre também em ação em julgamento no STF que pode declarar constitucionais regras isoladas que criam diretos e obrigações urbanísticas fora do contexto estabelecido pelos Planos Diretores. A ação, que diz respeito a um caso de Brasília, pode gerar jurisprudência nacional na matéria.
O Senado, em particular, ao discutir o projeto de revisão da lei de licitações, sem dúvida necessária, não pode se valer desse caminho para propor a generalização do uso da modalidade de “contratação integrada” para a licitação de obras públicas. Esse regime permite que as obras sejam contratadas apenas com base em anteprojetos, deixando que os projetos completos, afora obras, sejam feitos pelas empreiteiras. Isso significa, nas palavras de respeitado auditor do TCU, “colocar a raposa para cuidar do galinheiro”.
É preciso acelerar mais ações de alguns Estados, ou de consórcios municipais, no sentido de articular soluções conjuntas para cidades de regiões metropolitanas com problemas comuns de transporte, saneamento e destinação final do lixo. A crise do abastecimento de água em São Paulo deixou isso claro.
Os prefeitos em meio de mandato já sabem que apostar todas as fichas no programa Minha Casa Minha Vida, para encaminhar o problema habitacional de suas cidades, é criar bombas-relógios para si próprios ou para os sucessores. Estudo encomendado pelo próprio Ministério das Cidades demonstra que o programa, por atender primordialmente ao interesse privado, tem reproduzido um padrão de cidade segregada e sem urbanidade, pois seus conjuntos são mal servidos por transporte, infraestrutura e ofertas de escolas, postos de saúde e comércio. Enfim, não são lugares habitáveis: no máximo acampamentos banais, na maior parte das vezes erguidos nas franjas das cidades.
Há saídas melhores, como previsto na Lei 11.888/2008, que concede recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social aos municípios interessados em prover assistência técnica pública e gratuita para projeto e construção de habitação para a população carente. O juro zero subsidiado para a Habitação, sem intermediação de construtoras, e uma meta nacional de urbanização de favelas, são outras alternativas.
É imperativo que todos os governantes e a sociedade pensem igualmente no meio ambiente. Hoje as áreas urbanas são responsáveis por mais de 70% do consumo de energia e das emissões de gás carbono e o ambiente construído tem parte considerável nisso. A União Internacional de Arquitetos (UIA) estima que uma área aproximadamente igual a 60% do estoque atual de construção no mundo está projetada para ser construída e reconstruída nas áreas urbanas de todo o mundo. Um enorme desafio que se cruza com uma imensa oportunidade.
Arquitetura e Urbanismo retratam a cultura, a civilidade, o domínio tecnológico de um povo. As acentuadas diferenças sociais e diversidade cultural do Brasil indicam que só teremos Arquitetura e Urbanismo para todos se houver uma maior valorização do papel do arquiteto e urbanista pela sociedade e decisões políticas que espelhem essa visão, ensejando políticas públicas realmente comprometidas em enfrentar a crise das cidades com o uso do melhor do que o nosso conhecimento científico e tecnológico permitir. Tenho esperança de que agiremos nesse sentido e ao chegarmos a esse dia, sem dúvida nossa comemoração será mais festiva.
Haroldo Pinheiro é presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR)
Fonte: CAU/BR