Por Paula Adamo Idoeta e Rafael Barifouse:
A crise da água no Sudeste brasileiro, que afeta milhões de pessoas, desperta discussões sobre mudanças climáticas, consumo, investimentos e alternativas de abastecimento.
Diversas cidades do mundo também enfrentam ou enfrentaram desafios semelhantes, envolvendo seca, desperdício e excesso de consumo. A experiência delas pode servir de lição para São Paulo e as demais cidades brasileiras que sofrem com a falta dágua?
A BBC Brasil identificou seis cidades que tentam solucionar suas crises de abastecimento e perguntou ao Instituto Socioambiental (ISA) até que ponto as medidas se aplicariam à realidade paulista:
Pequim: transposição de água
A China está entre os 13 países listados pela ONU com grave falta dágua: com 21% da população mundial, o país tem apenas 6% da água potável do planeta.
Cerca de 400 cidades do país enfrentam obstáculos de abastecimento, e Pequim é uma delas: com uma população crescente, a capital já consome mais água do que tem disponível em seus reservatórios.
Além disso, diversos rios chineses secaram recentemente em decorrência de secas prolongadas, crescimento populacional, poluição e expansão industrial.
Para enfrentar a questão, a companhia de água de Pequim está apostando em um projeto multibilionário para redirecionar rios, o Projeto de Desvio de Água Sul-Norte, cuja primeira etapa deve ser concluída neste ano.
O objetivo é mover bilhões de metros cúbicos de água do sul ao norte (mais árido) anualmente ao longo de uma distância superior à que separa o Oiapoque do Chuí (extremos do Brasil), a um custo que deve superar os US$ 60 bilhões. Seria necessária a construção de 2,5 mil km de canais.
– É viável em São Paulo? O governador paulista, Geraldo Alckmin, propôs uma obra de transposição para interligar o Sistema Cantareira à bacia do rio Paraíba do Sul – proposta polêmica, já que este último é a principal fonte de abastecimento do Estado do Rio de Janeiro, mas vista como “viável” pela Agência Nacional de Águas (ANA). O custo estimado é de R$ 500 milhões.
No entanto, para Marussia Whately, consultora em recurso hídricos do ISA (Instituto Socioambiental), São Paulo estaria avançando sobre outras fontes de água sem cuidar da água que tem disponível atualmente.
“Vamos investir em grandes obras antes de pensar na gestão das perdas de água, no consumo e na degradação das fontes de água atuais?”, questiona.
Perth (Austrália) – Dessalinização
Perth é a “cidade mais seca” entre as metrópoles da Austrália. Segundo a presidente da Western Australia Water Corporation, Sue Murphy, as mudanças climáticas ocorreram mais rápido e antes do que era esperado no oeste do país. “Nos últimos 15 anos, a água de nossos reservatórios foi reduzida para um sexto do que havia antes”, disse à BBC em junho.
A cidade construiu duas grandes estações para remover o sal da água coletada no Oceano Índico e torná-la potável.
Hoje, Perth obtém metade de sua água potável a partir do mar. Mas os ambientalistas criticam o processo por ser caro e demandar muita energia. Os moradores sentiram o impacto em suas contas de água, que dobraram de valor nos últimos anos.
A cidade também está fazendo experimentos com o sistema Gnangara, sua maior fonte hídrica subterrânea. Por uma década, Perth injetou nos aquíferos subterrâneos a água que foi usada pela população, já tratada. A água é filtrada naturalmente pelo solo arenoso e depois extraída para ser consumida pela população ou usada na irrigação agrícola. O teste foi considerado bem-sucedido, e um programa oficial foi estabelecido sua meta é obter desta forma 7 bilhões de litros por ano.
“Com um clima mais seco, precisamos ser menos dependentes de chuva, por isso apoiamos estes projetos”, disse Mia Davies, ministra de Água e Florestas do Leste da Austrália. Ao mesmo tempo, houve uma campanha pelo uso racional da água, o que fez com que a demanda por água hoje seja 8% menor do que em 2003, apesar de a população ter crescido mais de 30%.
– É viável em São Paulo? A dessalinização não seria uma opção coerente, diz Whately, do ISA, já que São Paulo não é cidade costeira e o Brasil tem um enorme patrimônio de água doce. Ao mesmo tempo, já se fala em recorrer ao uso emergencial de água usada: o governo paulista anunciou nesta semana planos de construir uma Estação de Produção de Água de Reúso na zona sul de São Paulo.
Nova York – Proteção de mananciais
Uma das maiores cidades do mundo, Nova York iniciou nos anos 1990 um amplo programa de proteção aos mananciais de água, para prevenir a poluição nessas nascentes e, assim, evitar gastos volumosos com tratamento ou busca de novas fontes de abastecimento.
O projeto incluiu aquisição de terras pelo governo nas nascentes de água, com o objetivo de proteger sua vegetação e garantir que os lençóis freáticos continuassem a ser alimentados; assistência financeira a comunidades rurais nessa região em troca de cuidados com o meio ambiente; e mitigação da poluição nos mananciais. Com isso, a cidade conseguiu ampliar em décadas a vida útil de seus mananciais.
O programa também envolveu campanhas pela redução do consumo. Dados oficiais apontam que o consumo per capita da cidade era de 204,1 galões de água por dia em 1991 e caiu para 125,8 galões/dia em 2009.
– É viável em São Paulo? Para Whately, trata-se da opção mais adequada para a realidade paulista: “A ideia (em Nova York) foi pensar o recurso que eles tinham disponíveis e cuidar deles, em vez de investir em obras”, diz.
Zaragoza (Espanha) – Conscientização e metas
Secas severas nos anos 1990 deixaram milhões de espanhóis temporariamente sem água. Mas um relatório da Comissão Europeia aponta que o maior problema no país não costuma ser a falta de chuvas, e sim “uma cultura de desperdício de água”.
A cidade de Zaragoza, no norte, encarou o problema com uma ampla campanha de conscientização em escolas, espaços públicos e imprensa pelo uso eficiente da água e o estabelecimento de metas de redução de consumo. Dos cerca de 700 mil habitantes, 30 mil se comprometeram formalmente a gastar menos água.
A estratégia incluiu incentivos para a compra de aparelhos domésticos econômicos (chuveiros, vasos sanitários, torneiras e máquinas de lavar louça eficientes, cujas vendas aumentaram em 15%); melhoria no uso da água em edifícios e espaços públicos, como parques e jardins; e cuidados para evitar vazamentos no sistema.
A meta estabelecida em 1997, de cortar o consumo doméstico de água em mais de 1 bilhão de litros água em um ano, foi atingida. Antes da campanha, diz a Comissão Europeia, apenas um terço das casas de Zaragoza praticava medidas de economia de água; ao final da campanha, eram dois terços. O consumo total caiu mesmo com o aumento no número de habitantes.
“O projeto mostrou que é possível lidar com a falta dágua em um ambiente urbano usando uma abordagem economicamente eficiente, rápida e ecológica”, diz o 2030 Water Resources Group, consórcio que reúne ONGs, governos, ONU e empresas em busca de soluções ao uso da água no mundo.
– É viável em São Paulo? Não apenas viável como necessário, diz Whaterly, do ISA. “Se houvesse, por exemplo, um amplo programa de incentivos à aquisição de hidrômetros individuais (em vez de coletivos) nos edifícios de São Paulo, haveria uma economia brutal de água”, opina. “Também são necessários incentivos à construção de cisternas e sistemas individuais de reúso da água.”
Whately opina também que, ante a urgência da situação, a cidade precisa fixar metas e incentivos à redução do consumo mais duras do que as promovidas atualmente pela Sabesp – por exemplo, forçando consumidores maiores a cortar mais seu gasto de água e debatendo a imposição de multas a quem aumentou o consumo em plena estiagem.
Cidade do México – Novos aquíferos
Em junho, o presidente mexicano Enrique Peña Nieto afirmou que 35 milhões de habitantes do país têm pouca disponibilidade de água, tanto em qualidade como em quantidade.
Essa escassez é grave na própria capital, a Cidade do México, onde uma combinação de fatores como grande concentração populacional, esgotamento de rios e tratamento insuficiente da água devolvida ao solo causa extrema preocupação.
Em 2009, partes da cidade foram submetidas a racionamento de água após uma forte seca; e autoridades ouvidas pela imprensa local afirmam que, no ritmo atual, a cidade pode não ter água o suficiente em 2030.
Uma aposta da Cidade do México são aquíferos identificados no ano passado, cuja viabilidade está sendo estudada. Estão sendo perfurados poços para não apenas confirmar a existência das fontes subterrâneas de água, mas também avaliar sua qualidade para consumo humano.
Até 2016, as autoridades dizem que será possível saber se os aquíferos serão ou não uma alternativa de abastecimento para a megalópole. O problema, dizem, é que a perfuração, a 2 km de profundidade, deve sair muito mais cara do que perfurações de fontes mais próximas à superfície.
E muitos dizem que, além de buscar novas fontes, a cidade precisa aprender a evitar os desperdícios do sistema e a utilizar a água atual de forma mais eficiente.
– É viável em São Paulo? Para Whately, o uso de água subterrânea já é uma realidade para diversas cidades brasileiras, mas, por serem importantes reservas de água para o futuro, seu uso deve ser racional. “Ainda temos pouco conhecimento a respeito de nossos aquíferos. Eles precisam ser melhor estudados e mais bem cuidados por exemplo, há locais em que o uso de agrotóxicos (no solo) pode prejudicá-los.”
Cidade do Cabo (África do Sul) – Guerra do desperdício
Khayelitsha, a 20 km da Cidade do Cabo, é uma das maiores “townships” (como são chamadas as comunidades carentes sul-africanas) do país, com 450 mil habitantes. No início dos anos 2000, uma investigação descobriu que cerca de uma piscina olímpica era perdida por hora por causa de vazamentos em sua rede de água.
A principal fonte de desperdício eram os encanamentos domésticos, muitos dos quais deficientes e incapazes de resistir alta à pressão de bombeamento da água.
Com isso, aumentavam o consumo de água e também a inadimplência, já que muitas pessoas não conseguiam pagar as contas mais caras. Além disso, a Cidade do Cabo vive sob constante ameaça de falta dágua.
Um projeto-piloto de US$ 700 mil, iniciado em 2001, funcionou em duas frentes: a reforma de encanamentos ruins e a redução da pressão da água fornecida ao bairro, para evitar os vazamentos.
Segundo um relatório do governo da Cidade do Cabo, o projeto custou menos de US$ 1 milhão e o investimento foi recuperado em menos de seis meses.
Com a iniciativa, aliada a uma campanha de conscientização para evitar desperdícios, Khayelitsha conseguiu economizar 9 milhões de metros cúbicos de água por ano, equivalente a US$ 5 milhões, segundo o consórcio 2030 Water Resources.
– É viável em São Paulo? Para Whately, as perdas de água também são um “problema enorme” em São Paulo. “Quase um terço da água é perdida (no caminho ao consumidor), o que equivale a todo o volume do Guarapiranga e Alto Tietê juntos”, diz. “Em alguns casos, encanamentos antigos podem contribuir para isso. Seria necessário mapear, com a ajuda das prefeituras, áreas onde há grandes perdas de água e identificar os motivos.”
Fonte: BBC Brasil em São Paulo