As notícias cada vez mais preocupantes sobre a queda do nível dos reservatórios de água que abastecem as regiões do Estado de São Paulo demonstram que estamos passando por um momento bastante particular na história, tanto nos fenômenos climáticos quanto com relação à postura do cidadão em relação às questões coletivas. A eminente possibilidade de falta de água expôs a atitude positiva da população para minimizar os impactos de uma estiagem sem precedentes na região sudeste do país. À medida que os tristes episódios relatando o sofrimento pela falta d’água crescem, percebe-se também o renascimento do senso de cidadania, principalmente nas cidades mais atingidas pelos racionamentos. Nesse cenário, surgiram casos de pessoas sendo orientadas por vizinhos a não lavarem calçadas, lava-rápidos com placas avisando que utilizam água de reuso, entre outras atitudes em prol do coletivo. Este senso de responsabilidade por um bem de todos é algo extremamente benéfico para a sociedade, que passou muitos anos entorpecida com a sensação de que o coletivo não é de ninguém.
No caso de condomínios residenciais, existem diversas maneiras de economizar água, como por exemplo a medição individualizada. A esmagadora maioria dos condomínios residenciais do Brasil possui uma única medição de água que é rateada na conta do condomínio, ou seja, um executivo que mora sozinho e viaja 15 dias por mês paga exatamente a mesma conta d’água de uma família de 4 pessoas que mora no apartamento ao lado e pode não se preocupar tanto com o uso racional da água. Estudos comprovam que o simples fato de individualizar a medição de água leva a uma redução de consumo da ordem de 30%, ou seja, novamente o senso do que é de todo mundo não é de ninguém leva a desperdícios. Se a família de 4 pessoas pagasse de fato pelo seu consumo exagerado sem ser subsidiada pelo executivo que paga pelo que não consome, certamente mudaria seus hábitos.
Grande parte das construtoras está entregando seus edifícios novos com uma previsão para instalação de medidores individuais de água, porém pouquíssimas entregam o medidor de fato, deixando para o condomínio a decisão da instalação futura. Na realidade de mercado em que vivemos hoje, alguns medidores a mais no subsolo impactam realmente no custo do apartamento, e boa parte da população acaba comprando apartamentos pelo menor preço, sem levar em conta que o valor da conta d’água ao longo de 20, 30 anos certamente irá ser muito maior do que aquela diferença de preço que foi decisiva para comprar um apartamento, ainda que irrisória.
Para enfrentar uma grave crise hídrica como a que estamos passando não há outra alternativa do que atuar em todas as frentes, como na redução de consumo, redução de pressão nas redes, operações “caça-vazamentos” estruturadas, reflexão sobre exploração de novos mananciais e principalmente a preservação e reabilitação dos mananciais existentes, que estão há anos sendo castigados pela ocupação desordenada do solo em regiões que deveriam estar intocadas. Novamente, no caso dos mananciais retornamos à situação da sociedade pagando um preço alto por falta de cidadania e senso de coletividade.
Não existe dúvida de que iremos superar esta crise hídrica, como já ocorreu em outras cidades do mundo como Perth na Austrália, Cidade do México e outras, porém o que precisamos manter e reforçar a cada dia é a nossa cidadania, com a sociedade fiscalizando e cobrando o poder público para que a gestão dos recursos naturais seja conduzida de maneira estruturada e integrada com outras disciplinas do desenvolvimento urbano. Desta forma, quando a próxima crise hídrica, energética ou de escassez de qualquer recurso natural vier, estaremos mais preparados e principalmente teremos atuado de maneira preventiva.
Enfim, a questão de gestão da água é uma responsabilidade de todos, e enquanto perdermos tempo tentando identificar os culpados pela falta de planejamento ou polarizando uma discussão entre “empresários que só buscam lucro” e “compradores que só querem o mais barato”, estaremos assistindo nossos recursos naturais se esgotando enquanto não decidimos ficar do mesmo lado da mesa.
Luiz Henrique Ferreira é CEO da Inovatech Engenharia, consultoria em sustentabilidade, e idealizador da Casa AQUA, programa de disseminação de conhecimento em construção sustentável.
Fonte: AsBEA