Por Adriano Pires
A Medida Provisória n.º 579, posteriormente convertida na Lei 12.783/2013, pôs o setor elétrico de cabeça para baixo. Algumas consequências nefastas já são amplamente conhecidas e outras ainda estão por vir. O Grupo Eletrobrás, que teve 67% das suas concessões de geração renovadas, amargou um prejuízo de R$ 13,2 bilhões somente em 2012 e em 2013, o que se refletiu na queda de cerca de 40% do seu valor de mercado entre o anúncio dessa medida provisória e setembro de 2014. A desestruturação econômica do setor nos últimos dois anos pode atrair investidores abutres, afastando os bons, e comprometer o plano de investimento das empresas existentes.
A escassez de água nos reservatórios das hidrelétricas e a bagunça regulatória causada pela Medida Provisória 579 criaram dois problemas nunca antes enfrentados pelo setor elétrico. O primeiro consiste na alta probabilidade de termos um racionamento em 2015. É bom que se diga que essa probabilidade de racionamento não se deve apenas à falta de chuvas, mas também a um sinal tarifário errado, dado pela referida medida provisória, que levou os consumidores a aumentar o consumo num momento em que o custo da energia elétrica crescia em função da entrada das usinas térmicas. O segundo problema é que, para atender aos interesses do governo em fazer populismo tarifário, as distribuidoras foram impedidas de repassar o custo das térmicas para as tarifas. Com isso o governo concedeu subsídios às distribuidoras via Tesouro Nacional e as obrigou a tomar empréstimos na banca nacional.
Estima-se que os subsídios do governo ao setor elétrico entre 2013 e 2014 totalizem R$ 53,8 bilhões (em 2013, R$ 23,1 bilhões e em 2014, R$ 30,7 bilhões), incluindo repasses aos distribuidores, aportes do Tesouro Nacional necessários para manter a redução estrutural prometida nas tarifas de energia elétrica e a Garantia Física (GSF) da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Não foram levadas em conta as indenizações que devem ser pagas às empresas que tiveram suas concessões vencidas. Se tudo fosse levado em consideração, o valor da conta ficaria em torno dos R$ 100 bilhões.
Apesar do exposto acima já ser suficientemente desastroso, ainda se hão de esperar graves problemas para o próximo ano.
O primeiro deles é a tendência à federalização e centralização dos ativos nas mãos do governo federal. Conforme previsto na Lei 12.783/2013, quando as concessões são renovadas o modelo de concessão é substituído por um modelo de prestação de serviços e o ativo é devolvido ao governo federal, que passa a ser o novo “proprietário” das usinas. Ou seja, num primeiro momento estão esvaziando as empresas estaduais como Cesp, Cemig e Copel e, ao mesmo tempo, dilapidando e descapitalizando ativos que pertencem aos acionistas minoritários e aos majoritários e à população de cada Estado. Esse novo modelo caminha no sentido inverso ao da eficiência operacional, que poderia ser atingida por meio da descentralização de decisões e do aumento do poder/responsabilidade dos Estados.
Outra consequência é que, se os critérios da Lei 12.783/2013 forem mantidos para renovação das concessões, isso implicará o fechamento de indústrias no curto prazo e o desaparecimento do mercado livre no médio prazo. De acordo com a lei, as cotas das geradoras que tiveram as suas concessões renovadas são obrigatoriamente alocadas no mercado cativo, como forma de garantir a queda da tarifa de energia. Sendo assim, a cada renovação a oferta no mercado livre se vai reduzindo, o que certamente se refletirá em elevação de preços. Além disso, em razão do elevado preço e da alta volatilidade do PLD (preço de liquidação das diferenças), é difícil imaginar que as geradoras estejam dispostas a celebrar contratos de longo prazo com grandes consumidores, o que forçará a indústria a comprar energia no PLD, estando sujeita a preços elevados e alta volatilidade. Até agora, a média do PLD em 2014 está em torno de R$ 620 por megawatt-hora (MWh).
O terceiro problema está na confusão de regras e na insegurança regulatória, que estão levando a um aumento da judicialização no setor, fato que só prejudica o bom desempenho e atrasa/afasta investimentos. Um bom exemplo é o questionamento da Cemig na Justiça com relação ao direito de permanecer com a Usina de Jaguara. A Cemig questionou decisão do governo quanto ao indeferimento do pedido de prorrogação por entender que a nova lei teria revogado a cláusula contratual quarta do contrato de concessão. A empresa alegou que o direito de prorrogação do prazo está garantido na cláusula quarta do contrato. Nos próximos dois anos, é praticamente certo o início de uma nova disputa judicial, em torno das indenizações, envolvendo as Usinas de Jupiá e Ilha Solteira, pertencentes à Cesp. Os montantes envolvidos nessa nova disputa tendem a ser maiores do que os de Três Irmãos, que ainda estão longe de ser resolvidos, uma vez que a potência das usinas, de 1.551,2 MW e de 3.444 MW, respectivamente, é bem maior do que a da UHE Três Irmãos e mesmo a de Jaguara (424 MW).
O próximo governo tem no setor elétrico um dos seus maiores desafios. A retomada da política de renovação das concessões, revogando ou modificando a Lei 12.783/2013, é necessária e fundamental. É preciso mudar essa lei, tendo como objetivo capitalizar as empresas, expandir a oferta e tornar as tarifas competitivas para a indústria.
Contudo ainda restam outras questões a ser respondidas. Para onde estamos endereçando o setor elétrico, segmento de infraestrutura da maior importância para o desenvolvimento do País? Como repassar o rombo já existente ao consumidor, via tarifa? Acreditamos, mesmo, que o novo caminho traçado por esses instrumentos legais, como a Lei 12.783/2013, assegurará a modicidade tarifária, ao mesmo tempo que tornará viáveis os recursos necessários para a expansão do setor?
O desafio é grande, todavia é possível superá-lo e encontrar de novo a estabilidade regulatória e a segurança jurídica do setor elétrico.
Fonte O Estado de S Paulo