Da ascensão à queda. É difícil olhar hoje para as empresas de construção e reconhecer o contexto atual, tão diferente de dez anos atrás, quando houve a febre de aberturas de capital na bolsa, que atraiu em peso os investidores pessoas físicas. Mesmo num período mais curto, de cinco anos, a realidade tem se provado bastante diferente das expectativas traçadas. Com o mercado antes aquecido pelas próprias condições macroeconômicas, as construtoras e incorporadoras amargam hoje um ambiente de estoques elevados, financiamento mais escasso e enfrentam um ciclo de elevação da taxa básica de juros, com a Selic bem distante do patamar de 7% visto em 2012 e 2013. Como se não bastasse a baixa confiança do consumidor brasileiro para fazer novas aquisições de imóveis, a preocupação também recai sobre o aumento do desemprego no país, o que pode afetar ainda mais a percepção de recuperação das empresas no médio prazo.
Apesar dos esforços recentes do governo para tentar estancar a crise do setor, impulsionada pelos saques líquidos da poupança, que já ultrapassam R$ 32 bilhões no ano (os recursos da aplicação são usados para financiar construção e aquisição de imóveis dentro do Sistema Financeiro de Habitação, o SFH), analistas seguem reticentes e alertam: não é hora de comprar ações de construtoras e incorporadoras.
“Continua um cenário desafiador e ainda não conseguimos ver a luz ao fim do túnel”, diz o analista Marcelo Motta, do J.P. Morgan, que se considera muito cético principalmente ao analisar os estoques e os distratos do segmento.
Lucas Gregolin Dias, analista responsável pelo setor na Fator Corretora, assinala que tem mantido visão negativa principalmente por conta do enfraquecimento da demanda iniciado em 2013 e acentuado no ano passado, diante da queda da confiança do consumidor. Em 2015, destaca, adicionou-se a piora das condições de crédito, com o esgotamento das fontes de financiamento.
“O governo liberou uma parte do compulsório para tentar dar uma aliviada em termos de financiamento, mas as outras questões macroeconômicas que prejudicavam anteriormente permanecem”, afirma. “Estamos negativos com o setor. Não recomendamos entrar mesmo nas ações que têm indicação de compra”, diz Dias, que avalia que o investimento só se justifica para quem já está posicionado em construção.
Não bastasse a longa duração de um ciclo de construção, tida como um entrave para investidores mais imediatistas, analistas avaliam que o ajuste em curso ainda vai continuar – e não se sabe até quando. “Hoje eu prefiro esperar, não consigo vislumbrar quando o setor vai atingir um ponto de equilíbrio para voltar a crescer”, diz Bruno Mendonça, analista do setor de construção da Santander Corretora.
Mas a reticência com as construtoras não significa uma visão de que o setor vai acabar, frisa Mendonça, uma vez que há ainda uma demanda reprimida no Brasil por moradia. O analista, entretanto, espera que o ciclo de ajuste dure mais cerca de dois anos. “Talvez daqui a seis meses tenhamos uma visibilidade melhor sobre o equilíbrio do setor e algumas ações já comecem a reagir. Por enquanto, estamos no momento de ver se o poço tem porão”, observa.
De 2010 até o pregão de segunda-feira, com exceção dos papéis da Eztec, que subiram nada menos que 148%, as ações de dez outras empresas acumularam perdas. O destaque negativo ficou com Rossi (-98%) e PDG Realty (-95%). O Ibovespa, referência do mercado acionário, caiu 23% no mesmo intervalo. O valor de mercado das empresas também despencou, com destaque para as quedas acima de 95% de Rossi e PDG.
Apesar do tom de cautela no ar, há diferenças relevantes entre as empresas do setor e dois nomes concentram as preferências dos analistas consultados pelo Valor: Eztec e MRV. Os papéis da Even também são mencionados, mas principalmente por conta da avaliação de desconto em bolsa.
Se é preciso estar posicionado em construção, busque nomes mais flexíveis e resilientes, diz Mendonça, reforçando maior inclinação por empresas menos endividadas. “Eztec é o nome menos endividado, com estoque baixo e um histórico de entrega mais estável. O ajuste pelo qual está passando é bem mais suave que o das outras. Ela não está isenta, protegida, mas é mais flexível para se adaptar antes de tomar grandes decisões para frente”, afirma o analista da corretora do Santander.
Motta, do J.P. Morgan, destaca o histórico positivo da Eztec em termos de entrega de resultados e margens acima da média, assim como sua disciplina financeira e a definição de um local específico de atuação – São Paulo -, o que possibilita maior controle do negócio.
Dentre as nove empresas de construção acompanhadas, a Citi Corretora só indica a compra dos papéis da Eztec. Paola Mello, analista de construção civil, aponta a queda das receitas da maior parte das companhias, com pressão clara sobre seus lucros, o que reforça o destaque das empresas menos endividadas. “Com toda retração da economia, [a Eztec] foi a única que conseguiu se preservar nesse nicho em que opera com uma rentabilidade boa”, diz Paola.
A MRV também está no foco de atenção do mercado.Considerada mais defensiva diante de sua atuação em faixas de renda mais altas no programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, Dias, da Fator, destaca que a empresa não foi afetada de forma contundente pelo ajuste fiscal. O financiamento com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) é apontado como uma vantagem, assim como a escala no canteiro de obras no segmento de baixa renda.
Embora veja o preço da ação da MRV como caro e já ajustado para o nível de retorno que tem entregado, Mendonça, da Santander Corretora, reconhece sua exposição a um nicho mais protegido que a média e ainda prioritário para o governo. De 2010 até a última segunda-feira, com exceção de Eztec, cujas ações subiram 148%, as principais empresas do setor tiveram perdas.
Pelo critério da relação preço da ação e valor patrimonial ajustado (P/VPA), apenas as ações da Eztec tinham valor de mercado acima do contábil ao fim de março, sendo negociadas a um múltiplo de 1,2 vez, o maior dentre as 11 empresas avaliadas. A MRV, por sua vez, negociava a um múltiplo de 0,8 vez. Há cinco anos, as ações de todas essas companhias negociavam acima do valor patrimonial.
Diferentemente de sua colocação em 2010, por exemplo, os papéis da Rossi e da PDG têm hoje os menores múltiplos do setor, ou seja, poderiam sugerir que estão baratos em bolsa. Mas essa não é a percepção de analistas, que colocam as empresas no grupo dos piores investimentos.
O J.P. Morgan tem recomendação de venda para as duas companhias. Preocupado com o nível de alavancagem, Motta assinala que ambas contraíram mais dívidas do que conseguiriam pagar.
“A PDG chegou a lançar R$ 9 bilhões em 2011, contra R$ 1,4 bilhão em 2014. Hoje, está mais na casa dos R$ 2 bilhões, uma retração de quase cinco vezes no volume”, frisa Paola, da Citi Corretora.
De 2010 para 2014, a alavancagem, medida pela proporção da dívida líquida sobre o patrimônio líquido, das duas empresas praticamente dobrou, atingindo 129,1%, no caso da PDG, e 105,7%, no da Rossi. Ao fim do primeiro trimestre deste ano, além dessas companhias, apenas Tecnisa continuava com alavancagem acima de 100%. Na avaliação do analista da Fator, as três empresas passam pela situação mais complicada em termos de alavancagem, estoque e distratos.
A PDG ainda tem outro ponto delicado: suas ações valem menos de R$ 1,00. O novo regulamento da Bolsa, apresentado no ano passado, vai vetar a negociação das chamadas “penny stocks”. A empresa tem até agosto para se enquadrar, com um possível grupamento dos papéis, como feito pela Rossi, assinala Igor Lima, analista da gestora de recursos Canepa Asset Brasil.
Para Mendonça, da corretora do Santander, o setor ainda tende a enfrentar más notícias pela frente no que tange ao aumento de custos e suas consequências sobre os resultados financeiros.
E o fato de haver uma concentração de entregas de imóveis neste momento é outro ponto sensível, diante das condições mais restritas para financiamento, o que tende a gerar novos cancelamentos de contratos.
“Quem está aproveitando o momento para ajustar a casa, ser conservador, e ter um balanço pouco alavancado, está conseguindo se preparar para, em 2016, voltar à normalidade”, observa Lima, da Canepa.
Com exposição nas ações da Eztec, da Even e da MRV nos fundos da casa, o analista da gestora de recursos destaca que o momento negativo ajuda a separar o joio do trigo, o que não era visível na época auge do setor. Para Motta, do J. P. Morgan, a lição de casa está sendo feita e o principal desafio parte do plano macroeconômico. “O problema hoje no setor é mais de demanda que de execução”, assinala.
Para o setor de construção voltar a ficar atrativo, o analista da Fator destaca que é preciso haver uma mudança principalmente na confiança do consumidor, para levar a uma recuperação na velocidade de vendas.
fONTE: O Valor