Por Diego Ribeiro
A menos de um mês para começar o ciclo final de audiências públicas do novo Plano Diretor de Curitiba, um tema em especial promete deixar as discussões acaloradas em todas as regionais da cidade: a função social dos imóveis. O município de Curitiba ainda não aplica os instrumentos do Estatuto das Cidades que permitem punir quem abandona seus imóveis sem uso anos a fio. Por outro lado, os movimentos sociais, que clamam por moradia, pedem que o Plano Diretor deixe mais claros e aplicáveis tais instrumentos, como o IPTU progressivo e a desapropriação compulsória.
As consequências desse vácuo na política pública municipal são claras nas ruas da cidade: prédios e terrenos viram mocós e depósitos de lixo clandestino. Segundo a advogada da ONG Terra de Direitos, Luana Coelho, a Constituição Federal pede que os instrumentos que protegem a função social dos imóveis sejam regulamentados pelo Plano Diretor da capital. “É preciso colocar lá qual uso deve se dar a esses imóveis. Hoje o plano traz só o conceito, mas tem de ter uma regulamentação”, afirma a advogada.
Outro argumento dos movimentos populares é o fato de que os prédios e terrenos abandonados na região central não dão uma contrapartida à cidade, mesmo com toda a estrutura disponível, como esgoto e iluminação pública adequada. “Isso prejudica a cidade. Nós todos pagamos por isso [pela estrutura]”, diz Luana.
Ela lembra ainda que locais sem uso na região central podem ajudar a reduzir o déficit de habitação. “Hoje, a Cohab [Companhia de Habitação de Curitiba] cai nas regras do mercado. Tem de encontrar um terreno longe porque os instrumentos não permitem que ela use locais mais centrais”, comenta.
Na próxima semana, a prefeitura deve anunciar as datas e os locais marcados para as audiências públicas do Plano Diretor.
Cohab
O próprio presidente da Cohab, Ubiraci Rodrigues, declarou em entrevista por telefone à Gazeta do Povo que falta uma ação concreta para viabilizar a aplicação do Estatuto das Cidades. “Na verdade, o município ainda não tem uma discussão sobre a implantação dos instrumentos, mapeamento, como também a implantação do IPTU progressivo. Hoje, o município não tem uma ação concreta nessa direção”, disse.
Apesar disso, Rodrigues destaca que a prefeitura pretende formatar uma proposta de inclusão da função social dos imóveis no Plano Diretor, em fase de debates com a sociedade. “Hoje, para fazer essa implantação, teria de haver um mapeamento de qualidade dos imóveis do centro que atenderiam esses requisitos [sem uso] e ter uma autorização legislativa”, afirma o presidente da Cohab sobre a falta de base legal local para aplicar o estatuto. O Plano Diretor de São Paulo, por exemplo, já prevê o repovoamento da área central da cidade desde 2002.
Rodrigues observa, no entanto, que o Centro de Curitiba não tem a mesma demanda de outras grandes capitais. “Felizmente, Curitiba ainda tem um centro que não pode ser considerado degradado”, avalia. Mas, segundo ele, a cidade vai ter de incluir um projeto de implantação da função social desses imóveis.
Prédio no Bigorrilho vira lixeira e moradia
Desde meados dos anos 1990, o esqueleto de um prédio incomoda moradores da região do bairro Bigorrilho, em Curitiba. Localizado entre as ruas Cândido Hartmann e Júlia Wanderley, o edifício já foi uma cena de crime. Em 2012, uma mulher foi encontrada morta na construção abandonada. Hoje, um dos apartamentos do esqueleto é residência da carrinheira Silvana da Silva, 40 anos. Ela disse morar há quase dois anos no local. “A prefeitura vem todo mês aqui para ver se tem bicho da dengue”, comenta.
Natural de Itapeva (SP), ela migrou para Curitiba há muito tempo, mas não conseguiu emprego. Iniciou o trabalho de recolhimento de papel e também cuida de carros na Rua Cândido Hartmann. “O problema é que estou sem documentos e ninguém me ajuda”, diz Silvana. Ela está estabelecida no prédio. Tem cama, eletrodomésticos e vive de forma simples em meio a lixo espalhado e ratos que saem do matagal ao redor do imóvel.
O vão do edifício, de quatro andares e dois pisos de garagem, virou uma piscina de esgoto e lixo. Chove, inunda. A água quase não escoa, um potencial foco de procriação do mosquito da dengue. Por isso, o problema aumenta. Insetos e ratos se proliferam. O mato é cortado por outro morador do prédio. Aparentando pouco mais de 30 anos, ele preferiu não se identificar. “Sou trabalhador, mas ninguém ajuda a gente aqui”, lamenta.
Os dois pedem um lugar mais adequado para morar, mas não reclamam de onde estão. “Melhor que ficar na rua”, diz Silvana. Ela está mais preocupada em encontrar o Pingo, um cachorro que a acompanhava diariamente pelas ruas e sumiu. Um vira-lata camarada, segundo ela, que a ajudava a passar o tempo e espantar a solidão.
O diretor de fiscalização da Secretaria de Urbanismo, Marcelo Bremer, informou que a prefeitura tem notificado os proprietários dos imóveis abandonados. “Às vezes não tem responsável. É uma massa falida”, afirma. Ele diz ser o caso do edifício da Rua Cândido Hartmann. “Esse caso está na Justiça.” Bremer explica ainda que a prefeitura atua muito mais quando provocada nesses casos. É preciso avisar a fiscalização pelo número 156.
Fonte: Gazeta do Povo