Profissionais definiram posicionamento da categoria quanto a 61 projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional
Mais de 200 arquitetos e urbanistas reuniram-se no Congresso Nacional para debater qual a posição da categoria sobre 61 projetos de lei que estão em tramitação na Câmara e no Senado. “Há temas no Congresso que afetam a viabilidade do trabalho de arquitetos e urbanistas. Por isso é fundamental nossa assessoria, como arquitetos, aos parlamentares. Estamos cotidianamente no Congresso Nacional trazendo o ponto de vista dos arquitetos e urbanistas sobre as questões que envolvem as cidades brasileiras”, afirmou o presidente do CAU/BR, Haroldo Pinheiro.
Divididos em dois grupos de trabalho, “Desenvolvimento Urbano e Habitacional” e “Desenvolvimento Profissional em Arquitetura e Urbanismo”, os arquitetos e urbanistas, mais estudantes de Arquitetura, debateram o posicionamento da categoria quanto a 61 projetos de lei de interesse da área em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado. Agora, com essas diretrizes em mãos, a Assessoria Institucional e Parlamentar do CAU/BR vai atuar junto aos deputados e senadores em prol da melhoria das obras públicas e das cidades brasileiras. “Depois de quatro seminários, acredito que o CAU/BR já está maduro o suficiente para propor novos projetos de lei, ao invés de simplesmente analisar o que está posto”, afirmou Haroldo Pinheiro ao final do evento. Para Sérgio Magalhães, presidente do IAB, o evento foi um importante marco para firmar a posição dos arquitetos e urbanistas em defesa do projeto completo nas obras públicas, em oposição à “contratação integrada” prevista no Regime Diferenciado de Contratações Púlicas (RDC).
Na abertura do Seminário, na manhã do dia 18, o presidente da Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados, Julio Lopes (PP-RJ) destacou dois temas fundamentais para as cidades brasileiras: a Lei de Licitações e a regularização fundiária. “Lembro quando lançamos a regularização fundiária na Rocinha. Mas infelizmente R$ 4 milhões se perderam por causa da burocracia”, afirmou. Para ele, uma nova concepção de licitação, na qual se dê a devida importância ao projeto executivo, poderá gerar índice maior de acerto na previsão de despesas e de contratações. “Se isso já estivesse em vigência, jamais teriam acontecido os absurdos que estão acontecendo na Petrobras”. O deputado Luiz Carlos Busato falou sobre seus esforços para incluir a obrigatoriedade do projeto completo na Lei de Licitações. “Precisamos prestigiar o projeto bem-feito, o projeto completo. Aí está o cerne de todos os problemas que vemos de desvio de dinheiro público, de corrupção, etc. Com o RDC, a empresa faz o projeto e o orçamento e o governo navega no escuro. Queremos colocar o projeto completo, com isso vamos combater a corrupção porque não adianta fazer cartel, o governo já vai saber quanto vai custar a obra”, disse.
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) também esteve presente. Numa fala que emocionou a plateia, fez um paralelo entre Arquitetura e Política. Segundo ele, o Brasil precisa pensar mais como os arquitetos e menos como os engenheiros. “A meu ver, está faltando o pensamento de arquitetos. Hoje pensamos como engenheiros e economistas. Estamos preocupados em fazer, e não em imaginar. Estamos pensando em como equilibrar as ruas para acomodar o aumento do automóvel. Em vez disso, poderíamos pensar em harmonizar as ruas para as pessoas. Nós pensamos a saúde como engenheiros, fazendo mais hospitais. Devíamos pensar como arquitetos, em como fazer para que as pessoas precisem menos de hospitais”, disse. “Aqui na política, trabalhamos como engenheiros de projetos pré-determinados. Nós perdemos a capacidade de arquitetar o progresso. Precisamos mudar isso, senão não vamos mudar o Brasil”.
Joaquim Passarinho (PSD-PA), que assim como Luiz Carlos Busato é arquiteto de formação, se colocou à disposição para defender os objetivos da categoria no Congresso Nacional. “No que podemos, como deputados, fazer em 2016? Precisamos de ideias, de pensamento. esperamos que a gente possa ajudar nessa crise e ajudar o Brasil e as cidades serem melhores”. Miriam Addor, presidente da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA) e secretária-executiva do Colegiado Permanente das Entidades Nacionais de Arquitetura e Urbanismo (CEAU), destacou que as leis mais importantes da política urbana no Brasil dependem de projetos para serem implementadas, citando a Lei de Licitações, o Estatuto das Cidades, o Estatuto da Metrópole e o Estatuto da Pessoa com Deficiência.
A professora da USP Raquel Rolnik
RAQUEL ROLNIK
A abertura do evento também contou com uma palestra da arquiteta e urbanista Raquel Rolnik. Ela é professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e colunista do jornal Folha de S. Paulo, foi secretária nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades e relatora internacional do Direito à Moradia Adequada do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Recentemente, lançou o livro “Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças” (Editora Boitempo).
No Seminário Legislativo de Arquitetura e Urbanismo, Raquel destacou que, desde a promulgação da Constituição de 1988, houve algumas conquistas na agenda da reforma urbana, como o Estatuto das Cidades (Lei 10.257/01), o Estatuto da Metrópole (Lei 13.089/15), o sistema nacional de habitação de interesse social, a própria criação do Ministério das Cidades, além da exigência de planos diretores para os municípios, formulados com participação dos cidadãos. Mas que não tiveram o resultado esperado.
“Tínhamos a ilusão de que começaríamos a fazer projetos de cidades formulados de forma compartilhada, a partir e com os cidadãos. Os Planos Diretores tinham a função mágica de implementação social das cidades. E quase 90 por cento dos municípios que teriam obrigação de elaborá-los o fizeram. Fizemos uma estratégia, lutamos por ela, conquistamos e comemoramos como uma vitória. E aí nos perguntamos : como estão nossas cidades? De repente, acordamos da miragem de construção democrática da cidade. Tínhamos tudo, inclusive o dinheiro, que antes não existia, e aí chega junho de 2013, o povo na rua, brigando por causa de um transporte de quinta categoria, a explosão da crise da mobilidade”, disse a professora da USP. “Em paralelo, surge o discurso da necessidade de celeridade das obras, da crítica aos marcos que exigem, por exemplo, o estudo do impacto ambiental, e da oposição aos projetos completos para licitar obras. Tudo é visto como marco atrasado e deve ser desconstruído. Não se precisa mais do Estado, o privado faz tudo, evidentemente com recurso público”.
Segundo Raquel, uma das causas é a fragmentação de políticas públicas, como várias fontes de financiamento que não se articulam entre si. “Temos o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, entretanto o Minha Casa Minha Vida o ignorou totalmente. Todos os municípios abandonaram o SNHIS pelo MCMV, que os prefeitos acham uma maravilha, pois não precisam fazer nada, só indicar quem vai ganhar a casa e ficar com o lucro político. Temos que construir cidades, não casas de má qualidade”. Ela destacou que o Brasil precisa de uma reforma na política urbana. “O Ministério das Cidades nasceu para ser um locus de debate de política urbana. Foi capturado pela logica da estrutura do Estadio Brasileiro, a estrutura é igual à da Ditadura. Não houve a criação de um novo modelo, como foi feito na Educação e na Saúde”.
Haroldo Pinheiro, presidente do CAU/BR
REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÃO
A professora também criticou com veemência o Regime Diferenciado de Contratação (RDC), em que uma mesma empresa fica responsável pelo projeto, execução, controle e fiscalização de uma obra pública. “É um circuito fechado, blindado ao processo de participação. O RDC, que deveria ser um sistema de exceção, emergencial, aos poucos foi se estendendo para a totalidade da cidade. Essa estruturação do Estado com as grandes empreiteiras é perversa”. “Criticou também a MP 700/15, que permite que essas mesmas empresas façam a desapropriação de terrenos para obras públicas. Raquel disse isso era “privatização das cidades”. “A MP 700 é perversa não só porque permite ao privado desapropriar, mas também explorar a terra, transformando-a em artigo financeiro privado, além de permitir que o provado entre na área sem ordem judicial para fazer medições.
Mas onde a Arquitetura e Urbanismo pode influenciar nesse processo? “Entra no tipo de produto que resulta disso, a torre corporativa AAA, o shopping de luxo, o hotel de bandeira internacional, enquanto que o que precisamos é de mais moradias, calçadas, arborizações, drenagem, mas isso não é rentável”.
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Fonte: CAU/BR