Por José Roberto Bernasconi
A mudança na Lei de Licitações, a 8.666/93, vem sendo discutida há quase dois anos no Congresso. Agora, o governo resolveu acelerar esse processo, buscando aprovar o Projeto de Lei (PLS) 559/2013, que está em discussão no Senado. A necessidade de aprovar uma nova lei de licitações vem do fato de que hoje coexistem duas legislações: a 8.666 e o Regime Diferenciado de Contratações (RDC), a pretensa “via rápida” aprovada pelo governo em 2011 para acelerar as contratações de obras para a Copa 2014 e a Olimpíada 2016.
Há, porém, questões fundamentais que exigem reflexão e discussão aprofundada, coisas que a atual conjuntura eleitoral não permite, por um motivo simples – o fato de os senadores e deputados, em sua imensa maioria, estarem mais preocupados com sua reeleição, o que impede o aprofundamento de discussões, mesmo as essenciais.
É aí que reside o perigo. Ao aprovar uma nova lei de licitações, o Congresso estará definindo as regras de contratações para mais de 6 mil entes públicos, da Presidência aos ministérios, passando pelos governos estaduais e municipais e empresas estatais, entre outras. Essa lei definirá os parâmetros para aquisição de qualquer bem ou serviço, de papel higiênico a merenda escolar, de projetos de engenharia e equipamentos a construção de obras de até bilhões de reais. O impacto dessa lei perdurará por décadas, como comprova a legislação ainda em vigor, que completará sua “maioridade” – 21 anos – este ano.
Fazer a licitação de forma rápida é a forma mais segura de caminhar para um potencial desastre
O governo já tentou acelerar os processos com a aprovação do RDC em 2011, inicialmente para obras da Copa 2014 e Olimpíada 2016, e a tentativa não deu certo. Estudo do Sindicato da Arquitetura e da Engenharia (Sinaenco) em relação às obras de mobilidade urbana e aeroportuárias ligadas à Copa 2014 e Olimpíada 2016 com a utilização do RDC mostrou que essa modalidade tem índice pouco superior a 1% de entrega, isto após até mais de dois anos de sua contratação. Sabe-se também que há obras do Dnit, contratadas pelo RDC/contratação integrada, que após mais de um ano da definição da construtora vencedora da licitação, não conseguiram sair do papel. Isto porque os responsáveis não conseguiram desenvolver o projeto ou analisar e aprovar os projetos apresentados, obter as licenças ambientais, definir e qualificar as desapropriações, entre outros, e assim não foi possível colocar sequer um trator para movimentar terra. A pressa, também neste caso, é inimiga da qualidade.
As mais renomadas instituições de planejamento e agências de fomento e desenvolvimento internacionais recomendam que os projetos de arquitetura e de engenharia sejam contratados de forma independente, antes da licitação que definirá a construtora que executará a obra. Isto porque todas as suas definições técnicas, soluções construtivas, especificações de materiais e serviços, custo e prazo exequível para sua realização estão contidos nesses projetos.
Entregar a definição do projeto executivo, o projeto final, à responsabilidade da construtora significa o governo abdicar de definir a qualidade e a durabilidade de uma obra, itens muito mais importantes do que o custo inicial do empreendimento, que representa cerca de 20% do valor total gasto com a manutenção e a operação de um empreendimento público, ao longo de sua vida útil. Em empreendimentos por concessão, não há problema em deixar o projeto por conta do concessionário, pois será ele que operará o empreendimento e, assim, colherá os frutos de usar um bom projeto ou arcará, por até 30 anos, com as consequências de trabalhar a partir de um mau projeto. Mas, em obras que serão operadas e mantidas pelo governo, essa opção pela contratação integrada equivale a dar um “tiro no escuro” em meio à multidão.
Isto acontece porque não existe solução simples para questões complexas. Fazer a licitação de forma rápida, especialmente em empreendimentos de infraestrutura, de elevada complexidade e que exigem estudos geológicos, ensaios geotécnicos, levantamentos planialtimétricos cadastrais, estudos de impactos sociais, arqueológicos e ambientais, entre outros, é a forma mais segura de caminhar para um potencial desastre.
A proposta em discussão no Congresso tem sido objeto de intensa polêmica e questionamentos – todas as entidades nacionais ligadas à arquitetura e à engenharia de projetos, por exemplo, posicionaram-se contra a atual formatação do PLS 559, em especial, contra a modalidade RDC/contratação integrada e outras emendas propostas. E o Tribunal de Contas da União (TCU) também apresentou argumentos de inconstitucionalidade de partes dessa proposta.
Por isso, seria bastante adequado e revelaria espírito público do governo e de seus aliados no Congresso que essa discussão fosse deixada para o primeiro semestre de 2015, já com novos legisladores e novo governo eleitos pelo povo. Estes, com certeza teriam toda a legitimidade e poderiam dedicar o tempo necessário ao aprofundamento dessa discussão, que exige também a participação da sociedade civil e dos cidadãos interessados nessa questão de importância fundamental para o país e aos brasileiros.
José Roberto Bernasconi é presidente do Sindicato da Arquitetura e da Engenharia.
Fonte: Valor Online