Relator do projeto insiste na perenização da “contratação integrada”
A Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional, do Senado Federal, vai realizar uma audiência pública no dia 24/08/16 para discutir a nova Lei de Licitações. A comissão, porém, decidiu não incluir o CAU/BR entre os debatedores da audiência pública. Serão chamados representantes do CONFEA, do SINAENCO, do TCU, das empresas de construção civil , de seguros e da indústria. A votação final será em 31/08/16.
“Manifesto, em nome do CAU/BR, nossa indignação com a decisão dos senadores de não ouvir a representação de 140 mil projetistas do país”, declarou Haroldo Pinheiro. Ele estranhou também a falta de menção a convite ao IAB. Ambas as entidades, entre outras, são críticas à “contratação integrada” prevista no substitutivo. Ou seja, ao mecanismo que possibilita a licitação de obras públicas com base apenas em anteprojetos, ou seja, sem o projeto completo defendido pelos arquitetos e urbanistas e algumas entidades do setor da Engenharia.
“O substitutivo é um retrocesso grave e joga no lixo tudo o que se discutiu democraticamente em audiência públicas, debates e entrevistas, ocasiões que nossas entidades tiveram condições de oferecer aos políticos contribuições que a visão técnica nos possibilita. E justamente agora, às vésperas da decisão final, o CAU/BR é alijado do debate”, protesta Haroldo Pinheiro.
O senador Fernando Bezerra (PSB-PE) afirma o projeto é um risco que o Estado não deve assumir. “Ora, é justamente o contrário. O projeto completo deve ser feito antes da obra justamente para minimizar os riscos durante a fase mais custosa, que é a construção”, complementa o presidente do CAU/BR a propósito dos argumentos apresentados pelo relator do PLS 559/2013.
O senador pernambucano, relator, apresentou seu quarto texto substitutivo ao PLS 559/2013, mas antes da leitura do documento, o senador José Aníbal (PSDB-SP) requisitou a realização de uma audiência pública sobre o tema. “Não sou só eu que tenho fortes dúvidas em relação ao projeto”, afirmou.
O presidente da comissão, senador Otto Alencar (PSD-BA), queria votar o substitutivo no mesmo dia, ponderarando que as audiências públicas costumam ser pouco produtivas, mas colocou o requerimento em votação. Com a aprovação, a audiência será realizada na próxima quarta-feira (24), às 9h. As emendas ao projeto poderão ser apresentadas até o dia 26, ficando a votação final prevista para a última quarta-feira de agosto (31). Se aprovado na comissão, o projeto seguirá para o Plenário do Senado.
Uma das justificativas para a audiência pública é justamente a complexidade do tema. “Apenas nesta comissão foram feitas 15 versões do substitutivo”, destacou Gleisi Hoffmann (PT-PR), ferrenha defensora da “contratação integrada”, instrumento criado pelo RDC (Regime Diferenciado de Contratações Públicas). Na última versão, obras com valores superiores a R$ 20 milhões estariam liberadas para usar a “contratação integrada”, onde as construtoras ficariam responsáveis por fazer o projeto completo após a licitação. Na primeira versão, de dezembro de 2015, o senador Fernando Bezerra propôs o uso do regime diferenciado apenas para obras com valor superior a R$ 500 milhões e com base em projeto completo. Agora, o valor diminuiu 96 por cento e o projeto básico será dispensado.
INFLUÊNCIA DO PLANALTO – O substitutivo foi elaborado após conversas com a Casa Civil, o Ministério da Transparência e o Ministério do Planejamento. De acordo com Fernando Bezerra, o governo federal queria que todas as obras, sem exceção, pudessem usar a “contratação integrada”.
O CAU/BR e diversas entidades nacionais de Arquitetura e Engenharia consideram que o projeto completo deve ser feito de forma independente da construção, por constituir um claro conflito de interesses. “Trata-se de um instrumento fracassado não apenas nas obras da Copa e das Olimpíadas, para o qual foi criado, mas em outros empreendimentos grandiosos, pois não se tem notícia de que tenha impedido atrasos ou aditamentos de contratos”, diz Haroldo Pinheiro.
Na sessão de 17/08 , Fernando Bezerra defendeu o uso da “contratação integrada” e demonstrou grande desconhecimento sobre os fundamentos do processo construtivo. “Vamos ou não vamos priorizar a contratação integrada? Ela transfere o risco do projeto para aquele que é contratado”, afirmou. Para o senador, a culpa da “fábrica de aditivos” nas obras públicas brasileiras se deve principalmente à incompetência dos servidores públicos que trabalham nos projetos. “O que nós temos no Brasil é uma fábrica de aditivos, e ela é proveniente da péssima elaboração de projetos básicos e projetos executivos feitos pelo poder público”
As principais entidades nacionais de Arquitetura e Engenharia possuem um entendimento totalmente diferente da questão. “É uma falácia dizer que os projetos acarretam alargamento de prazos de obras. Ao contrário, é princípio reconhecido por todos que é a falta de projeto o principal fator de atrasos e de aumento de custos de obras”, diz o documento “As Obras Públicas e o Direito à Cidade”, por elas divulgado em 2014. . Na visão de arquitetos e engenheiros, os problemas de elaboração reside justamente no fato de que o anteprojeto ou o projeto básico são documentos preliminares, ou seja, não se espera que eles tenham todas as especificações que vão permitir um planejamento correto da obra, sua qualidade, custos e orçamentos, como acontece no projeto completo. Além disso, a experiência brasileira demonstra que as obras contratadas via “contratação integrada” é que são uma verdadeira “fábrica de aditivos”.
Na opinião de Haroldo Pinheiro, o que está ocorrendo “é estarrecedor, algo completamente descolado da realidade que o país está vivendo, pois os únicos beneficiados serão as empreiteiras, protagonistas de destaque na Operação Lava Jato. Ele lembra ainda que a construtora Andrade Gutierrez, segunda maior do país, em seu “Pedido de desculpas e manifesto por um Brasil Melhor”, divulgado em 8 de maio último, após anúncio de acordo de leniência firmado com o Ministério Público em decorrência da Operação Lava Jato, propôs como medidas anticorrupção a “obrigatoriedade de projeto executivo de engenharia antes da licitação da obra, permitindo a elaboração de orçamentos realistas e evitando-se assim previsões inexequíveis que causem má qualidade na execução, atrasos, rescisões ou a combinação de todos estes fatores”.
MAIS ADITIVOS – Para o CAU/BR, o Estado não pode fugir à responsabilidade de planejar e organizar os espaços urbanos, de forma a servir da melhor maneira à população. Além disso, é com um projeto completo que os órgãos de controle externo, como o Tribunal de Contas da União (TCU), terão os instrumentos necessários para promover uma fiscalização eficiente. “Sem o projeto completo não se sabe se a obra vai durar um, seis ou 24 meses. Os aditivos aos projetos também acabam virando uma rotina. É um convite para se rasgar dinheiro público”, alertou Haroldo Pinheiro em recente entrevista para o jornal espanhol “El Pais”.
Segundo Fernando Bezerra, a contratação integrada seria uma forma de garantir que não haja mais aditivos. Porém, no texto entregue à comissão, o PLS 559 permitiria que aditivos fossem feitos “por necessidade de alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos objetivos da contratação, a pedido da administração pública”. Ou seja, os aditivos seriam permitidos em caso de mudança no projeto, o mesmo projeto incompleto que a “contratação integrada” delega à construtora elaborar.
“Trata-se de uma clara contradição dizer que a “contratação integrada” vai impedir aditivos e, ao mesmo tempo, permitir que eles ocorram se os projeto elaborados pelas próprias empreiteiras sejam refeitos. Como o poder público não tem qualquer domínio autoral sobre o projeto, igualmente não conta com parâmetros para julgar se os aditivos são pertinentes ou não”, afirma o presidente do CAU/BR. Ele ressalta igualmente que isso vai prejudicar também o trabalho dos tribunais de conta.
OUTROS RETROCESSOS – Outro ponto que Haroldo Pinheiro considera igualmente “da maior gravidade” é a incorporação pelo substitutivo do senador pernambucano da possibilidade da empreiteira contratada promover desapropriações. “A transferência para as construtoras de uma função típica do Estado, a desapropriação por utilidade pública, não necessariamente é o melhor financeiramente para o Poder Público e justo para com a sociedade, pois fere o legítimo direito dos proprietários negociarem com o governo seus interesses”.
O substitutivo do relator permite também que a empreiteira ganhadora da “licitação integrada” de uma obra pública se encarregue da obtenção do licenciamento ambiental do empreendimento. Caso a licença seja obtida somente após a celebração do contrato e implique em alteração substancial do anteprojeto, o substitutivo permite que a empreiteira peça unilateralmente a rescisão do contrato, mediante a remuneração do projeto pelo órgão contratante.
“Como o projeto quem faz é a empreiteira, o poder público fica refém de suas decisões sobre seguir adiante ou não com a obra, por não ter parâmetros para fundamentar qualquer exigência”, diz Haroldo Pinheiro. “Além disso, havendo rescisão, todo processo terá que recomeçar do zero, com nova licitação, novo projeto, novo pedido de licenciamento, etc, em prejuízo do interesse público”. Mais uma vez ele lembra que a construtora Andrade Gutierrez, em seu “Pedido de desculpas e manifesto por um Brasil Melhor”, propôs claramente a obrigatoriedade de obtenção prévia, pela Administração, de licenças ambientais, evitando-se contestações judiciais ao logo da execução do projeto e o início de obras que estejam em desacordo com a legislação”.
LEI DAS ESTATAIS – O substitutivo do senador Fernando Bezerra mantem como válidos os dispositivos que tratam de licitações na Lei das Estatais (13.303/2016). Tais dispositivos igualmente liberam o uso da “contratação integrada” para as estatais e empresas de economia mista do pais.
O texto também inclui entre as modalidades de licitação o chamado “diálogo competitivo”. Trata-se de um modelo em que “a administração pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento do diálogo’. Segundo o relator, o instrumento é usado com sucesso na União Europeia, mas aqui jamais foi discutido e por isso igualmente merece ressalvas do presidente do CAU/BR. “Nem sempre o que se faz lá fora pode ser aplicado aqui sem uma reflexão maior. Inclusive porque os ordenamentos jurídicos dos países são diferentes em razão dos contextos diversos”, diz Haroldo Pinheiro.
Outra proposta presente no substitutivo apresentado à Comissão de Desenvolvimento Nacional é a criação de um seguro para obras públicas. Segundo o senador, esse é um assunto que já vem sendo tratado com as empresas brasileiras. “Nos Estados Unidos 100% das obras têm seguro. Aqui não temos cultura disso. Temos um cemitério de obras inacabadas. É melhorar onerar mais e não termos obras inacabadas”.De acordo com o relatório, a garantia não será inferior a 30% do valor inicial do contrato para obras e serviços de engenharia de grande vulto. O seguro também poderá ser usado para custear dívidas trabalhistas. De acordo com o senador, a mudança se deve à preocupação com os trabalhadores terceirizados.
O substitutivo ainda prevê que obras até R$ 150 mil poderiam ser contratadas por pregão eletrônico. A sistemática da modalidade convite também foi alterada, permitindo a conclusão de uma licitação em apenas três dias, quando se tratar de contratos de pequeno valor.
OS CONVIDADOS – O site do relator informa que para a audiência pública do próximo dia 24, serão convidados o presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva, José Roberto Bernasconi; o secretário extraordinário de Operações Especiais em Infraestrutura do TCU, Rafael Jardim Cavalcante; o representante da Federação de Seguros Gerais (CNSEG), João Francisco Borges da Costa; o presidente do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), José Tadeu da Silva; o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), e José Carlos Rodrigues Martins, além de Marcelo Bruto Correia da Costa e de um representante do Sindicato Nacional da Indústria.