Por DIÁRIO DA MANHÃ – CARLOS SILVA FILHO* E GABRIEL GIL BRAS MARIA*
A evolução na gestão de resíduos sólidos no Brasil tem como marco regulatório a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei nº 12.305/2010, que definiu formalmente o que há de mais moderno para uma gestão sustentável de resíduos, estabelecendo novos paradigmas, diretrizes e metas, com vistas a minimizar impactos ambientais e aproveitar ao máximos os recursos contidos nos materiais descartados.
Entre idas e vindas o tema ficou vinte anos em pauta no Legislativo. Teve início formal em 1991, com a apresentação do PL 203 e avançou com a criação de uma Comissão Especial, em 2001, cujo objetivo era apreciar as matérias contempladas nos projetos de lei apensados ao PL 203/91 e formular uma proposta substitutiva global, visando publicar um instrumento de regulação para esse importante setor.
Por ser uma norma com novas diretrizes e responsabilidades, tanto para o setor público como para o privado, a PNRS passou por muitos debates, o que possibilitou, durante todo o processo, a participação abrangente e ativa de diversos atores, incluindo o poder público em todas as esferas – Municípios, Estados e União –, o cidadão comum, a iniciativa privada e a sociedade civil organizada, que contribuíram para que o Congresso finalizasse o projeto e o aprovasse, por aclamação unânime, em julho de 2010.
Desta forma, a Política Nacional de Resíduos Sólidos mostra-se uma lei extremamente democrática, construída com a participação de diversos atores.
O primeiro e mais importante objetivo concreto da PNRS é a adequação da destinação dos resíduos sólidos, única forma de se evitar a perpetuação de ações danosas ao meio ambiente, à saúde pública e diretamente à população. Para isso, a Política estabeleceu os conceitos de “resíduos sólidos” e “rejeitos”, bem como as definições de “destinação final adequada” e “disposição final adequada”.
A partir da vigência da PNRS, os materiais descartados que apresentem potencial de recuperação e aproveitamento (classificados como resíduos sólidos) devem ser submetidos a processos que torne possível sua valorização. Por outro lado, a disposição final em aterros sanitários fica permitida apenas para rejeitos, ou seja, para materiais que não apresentem nenhum potencial de recuperação ou cujo potencial já tenha sido esgotado. Os lixões e outras formas de destinação inadequada foram formal e terminantemente proibidos.
Para garantir efetividade ao que dispõem as definições transcritas acima, e conhecedor da realidade brasileira, o legislador concedeu prazo de quatro anos para que os titulares dos serviços de manejo de resíduos concretizassem os processos de destinação adequada de resíduos sólidos (valorização de materiais) e disposição de rejeitos, conforme artigo 54 da PNRS: “A disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, observado o disposto no § 1o do art. 9º, deverá ser implantada em até 4 (quatro) anos após a data de publicação desta Lei”.
O prazo da Lei, como se vê, não concede mais tempo para os lixões, mas dispõe sobre o período para efetivo cumprimento do novo sistema instituído pela PNRS. Qualquer previsão que admita a continuidade dos lixões seria de pronto invalidada pelo ordenamento vigente, a começar pelo âmbito constitucional.
Isso porque lixões são a pior forma de destinação de resíduos, sendo locais de despejo de todo o tipo de materiais descartados, onde não se tem nenhuma proteção do solo e dos corpos hídricos, não havendo nenhum controle para evitar danos ambientais. Por isso, mesmo tais unidades configuram-se como um crime ambiental.
Por esses mesmos motivos, não procede a alegação de que o prazo concedido pela PNRS é escasso para que se encerrem lixões e unidades similares ainda em operação, já que antes da Lei 12.305 existiam normas que proibiam (e proíbem) tais práticas, embora as mesmas ainda sejam adotadas atualmente. Nesse sentido, temos as disposições da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938/81), da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98) e a proteção suprema da Constituição Federal, ou seja, disposições válidas há mais de três décadas, o que se configura num prazo mais do que suficiente para a sua absoluta extinção.
Os lixões e outras formas de destinação inadequada de resíduos são um crime e uma vergonha para o País, pois, além de todo o passivo ambiental, são um campo altamente propenso a proliferação de doenças e vetores, que atingem a parcela menos favorecida da população.
Segundo dados do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, estudo publicado anualmente pela Abrelpe, o índice de destinação inadequada em 2010 – ano em que a PNRS foi promulgada – era de 42,4%. No ano passado, o percentual registrado foi de 41,74%, o que demonstra que não houve até então uma mobilização para o cumprimento da lei. Esses números reforçam a tese de que a prorrogação do prazo da Política serve apenas como uma simples moratória para as administrações em situação irregular legitimarem suas práticas ilegais.
Fica claro que a prorrogação do prazo estabelecido originalmente pela PNRS que, ressalte-se, não é para manter lixões ativos, além de afrontar diretamente a Constituição Federal, a Política Nacional de Meio Ambiente e a Lei de Crimes Ambientais, mostra-se muito mais uma medida protelatória de entes federativos, que não demonstram comprometimento com princípios e objetivos básicos, como a legalidade, eficiência, proteção à saúde pública e ao meio ambiente equilibrado.
Carlos Roberto Vieira da Silva Filho,
*Diretor-presidente da ABRELPE – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais e vice-presidente da Iswa – International Solid Waste Association, advogado pós-graduado em Direito Administrativo e Econômico pela Universidade Mackenzie
Gabriel Gil Bras Maria
*Coordenador do departamento jurídico da Abrelpe – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais. É advogado pós-graduado em Direito Ambiental e Gestão Estratégica da Sustentabilidade pela PUC/SP)
Fonte: Carolina Salles
Mestre em Direito Ambiental