Desde a ponderação de 2013 de Robert Shiller, vencedor do prêmio Nobel de Economia, sobre a falta de fundamento para o aumento dos preços dos imóveis no Brasil, ouve-se falar em bolha imobiliária. Desde então, venho destacando que a observação dele foi criteriosa: a taxa de crescimento de preços dos imóveis superou às do custo da construção civil e da renda da população.
Hoje, a preocupação divide-se na contínua redução da carteira de poupança e no aumento das taxas de juros de financiamento. Ambas comprometem as concessões de crédito imobiliário e preocupam a economia nacional. A redução na velocidade do segmento imobiliário causa contração em toda a cadeia da construção civil.
A diminuição da carteira de poupança, em função da migração de valores para aplicações financeiras mais rentáveis, num contexto de taxa Selic em elevação, obrigou os bancos a criar novos instrumentos de captação.
Quanto às taxas de juros de financiamento imobiliário, não basta nos apoiar exclusivamente nas indicações de possível estabilização da taxa Selic para assegurar sua estabilização. A complementação do fundo de poupança com demais recursos de tesouraria das instituições financeiras contribui para elevação das taxas praticadas, pois seu custo de captação é mais alto.
Recentemente foi divulgado que um pacote de medidas está em estudo, dentre elas a redução do compulsório da poupança, que gerará maior disponibilidade, e a ampliação do teto do valor dos imóveis para uso do fundo do FGTS.
Eis o dilema: estimula-se o segmento com novas medidas, dando mais velocidade a toda a cadeia, gerando emprego e renda agregada, o que pode permitir que a taxa de aumento dos preços dos imóveis permaneça descolada daquela de crescimento da renda das famílias. Ou, por outro lado, mantém-se a contenção do segmento, promovendo a desaceleração da referida cadeia e um aumento da taxa de desemprego no setor, mas possibilitando que o nível de preço dos imóveis se ajuste?
Se tomarmos o mercado imobiliário como um indicador de conjuntura, parece-nos pertinente perguntar: num momento de contração da economia, que política econômica se pode adotar para o controle da inflação, sem gerar recessão? Até agora se caminha na direção de uma diminuição de disponibilidade e, consequentemente, da velocidade de crescimento, o que não nos desvia da recessão.
Voltemo-nos, então, para uma questão mais originária. Serão mesmo o aumento da demanda e a disponibilidade de moeda no mercado os fundamentos da inflação brasileira ou este fundamento seria o dispositivo que, até certo ponto, determina o comportamento da economia? Isto é, parece relevante propor uma reflexão sobre o elemento que deve ser atacado: controle de indicadores e disponibilidade de moeda ou o dispositivo que determina o comportamento e o modo de ser dos agentes econômicos?
Nesta última perspectiva, não se deve terceirizar totalmente a responsabilidade sobre a economia. Não é somente o governo, mas o Estado propriamente -conjunto de todos os cidadãos-, que constitui a rede de relações a que chamamos economia. É preciso que o ajuste de expectativas destes agentes não seja somente promovido e motivado por medidas governamentais, mas por um sentido coletivo e autêntico de responsabilidade econômica e social.
Termina-se, aqui, com a indicação de uma reflexão por ser empreendida, e não com uma resposta. Talvez sejamos acusados de certo “epistemologismo” econômico, mas vale sublinhar que necessariamente a reflexão teórica nasce de uma prática e visa à sua transformação. A economia e as políticas econômicas precisam mais do que nunca experimentar uma metamorfose.
Por ALESSANDRO FRANCISCO, economista e professor da pós-graduação da FAAP-SP, integra o Núcleo de Estudos sobre Arqueologia das Ciências Humanas, do Grupo de Pesquisa Michel Foucault da PUC-SP. É pesquisador vinculado à Université Paris 8.
Fonte: Folha de S. Paulo Online