Texto escrito pelo arquiteto e urbanista Paulo Ormindo para o jornal A Tarde
Um dos efeitos mais trágicos do rodoviarismo ainda vigente no país são as mortes em carros, motos e atropelos em nossas cidades e estradas. As projeções para este ano são de 48.349 mortes. Em números absolutos ocupamos o quarto lugar nas estatísticas mundiais, só abaixo de países muito mais populosos, como a China e a Índia ou sem infraestrutura, como a Nigéria. Esse número vergonhoso resulta da ausência completa de políticas de transporte público e desmonte dos sistemas ferroviário e da cabotagem no último meio século.
Assustadora são as taxas de acidentes e mortes em motos, cuja frota cresce mais que a de carros devido aos engarrafamentos e facilidade de aquisição. Não temos estatísticas confiáveis de mutilados no transito, mas este é um dos aspectos mais graves dessa política que privilegia a produção, financiamento, combustível e infraestrutura para o veículo individual e nada para os modais públicos e a bicicleta.
Estive em Moçambique em missão da UNESCO, pouco depois da independência. Por toda parte havia mutilados, e continuavam a chegar novos, pois ninguém cadastrou onde pôs as minas-de-pé. Pude então entender a lógica perversa dessa arma que não é feita para matar senão para aleijar, pois um mutilado desmobiliza três soldados: o ferido e dois colegas que vão carregar a maca e lhe dar socorro. Na guerra do transito, um mutilado significa não apenas uma baixa senão duas na cadeia produtiva nacional. Pergunto aos economistas quanto custa à nação este exército de mutilados e em especial quanto ele onera o sistema previdenciário?
Recentemente foi sancionada a Lei 12.971 aumentando em até dez vezes as multas por infrações no transito. Mas a eficiência de uma lei não é função do valor das multas, senão de sua fiscalização. O estado deve compreender que muitas dessas infrações e mortes se devem aos buracos de nossas vias e à falta de sinalização, guard rails, acostamentos, fiscalização e educação para o transito. As nossas escolas de motoristas são moldadas em função de um exame de habilitação obsoleto, que pergunta sobre sinais, primeiros socorros e faz a temível prova da baliza. Este último item não traz segurança a motoristas nem pedestres, senão ao carro do vizinho. Os novos carros fazem isto automaticamente.
A exigência recente dessas escolas instalarem simuladores foi regulamentada de forma equivocada, como uma previa ao início do aprendizado e não como o termino, simulando a direção em auto-estradas, o controle do carro em derrapagem, a direção sob chuva e à noite. Os recém habilitados ignoram a eficiente sinalização dos caminhoneiros e que eles não podem desacelerar em descidas ou subidas para dar passagem a um automóvel em contramão. Que com o motor desligado o freio de um carro não funciona e nesse caso é preciso usar o freio motor e de estacionamento adequadamente. Sem dessa instrução muitos se lançam nas estradas fazendo barbaridades, morrendo e matando. “País desenvolvido não é aquele que os pobres andam de carro, é aquele que os ricos andam de transporte público”, como diz Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá, que com Medelín deviam ser exemplos da boa mobilidade e segurança urbana para nós.
Paulo Ormindo é conselheiro federal do CAU/BR pela Bahia.
Fonte: Artigo publicado originalmente na edição de 9 de novembro de 2014 do jornal A Tarde