A concepção da nova sede propõe um prédio que reproduz o famoso calçadão de copabacana
A escolha da praia de Copacabana como novo endereço para a sede do Museu da Imagem e do Som (MIS) está intimamente ligada à pluralidade do local. O bairro tem fácil acesso, recebe um grande contingente de turistas e serviu de inspiração para músicos, escritores, artistas plásticos e fotógrafos, tornando-se referência turística no Brasil e no mundo, mas apresenta baixa oferta de equipamentos culturais. Amplamente ocupada no século 19 – especialmente com a chegada dos bondes da Cia. Ferro-Carril Jardim Botânico e a abertura do túnel Alaor Prata, o conhecido Túnel Velho -, a região ganhou um paredão de prédios na orla.
Instalada à beira-mar, às margens da avenida Atlântica, a nova sede reforça a importância da rua como local de entretenimento e símbolo da criação popular, que representa grande parte da produção artística da cidade, segundo Larissa Graça, gerente de Patrimônio e Cultura da Fundação Roberto Marinho. A arquitetura tirou partido do calçadão de Copacabana e desenhou um prédio capaz de dialogar com a paisagem, democratizar a vista da praia e tornar-se um ícone arquitetônico.
O programa do MIS contempla salas para exposições de longa e de curta durações, espaços destinados à pesquisa, salas para atividades didáticas, um cineteatro-auditório com 280 lugares, loja, cafeteria, restaurante panorâmico, boate, bar e terraço revestido com grama e granitina, parcialmente aberto ao público, que abrigará um mirante. À noite, ele se transformará em cinema a céu aberto. Em sua nova sede, a instituição vai incorporar a coleção do Museu Carmen Miranda, que funcionava no Flamengo.
Fundado em 1965, o MIS foi pioneiro ao lançar um novo modelo de museu audiovisual no Brasil. Suas antigas instalações encontram-se em dois prédios, um na Lapa e outro na praça 15. Larissa lembra que, desde o início do projeto, havia um forte desejo de que a futura sede representasse um pensamento mais profundo sobre as expressões contemporâneas da cidade. Em 2009 foi realizado um concurso internacional de ideias, época em que o Rio de Janeiro ainda não tinha sido escolhido para receber jogos da Copa do Mundo de 2014 e sediar a Olimpíada de 2016, mas, ainda assim, o interesse de arquitetos nacionais e internacionais pelo projeto foi surpreendente.
O edital trazia premissas importantes, que foram interpretadas de forma singular pelos escritórios participantes do concurso, entre eles quatro brasileiros (Bernardes & Jacobsen, Isay Weinfeld, Brasil Arquitetura e Tacoa) e três estrangeiros (Daniel Libeskind, Diller Scofidio + Renfro e Shigeru Ban). A escolha de Diller Scofidio + Renfro se deu em função de critérios como a inovação e originalidade tecnológica e estética, adequação física e estética ao local, atendimento aos parâmetros do programa funcional e de sustentabilidade, bem como exequibilidade do projeto.
Uma das premissas era que o prédio dialogasse e se integrasse de forma harmônica ao conjunto de edificações existentes. “A relação com o entorno se dá, por exemplo, na forma como o calçadão invade o museu, ou como este vai materializar aspectos sutis e inconscientes da forma carioca de ser, hábitos como, por exemplo, ler os jornais na banca, que foram incorporados à museografia. Assim, o lobby terá sempre notícias em cartaz e os passantes poderão frequentá‑lo sem custo algum. O acesso ao museu também poderá ser feito pelo café, aberto a todos”, explica Larissa
ETAPAS DA OBRA
A construção da nova sede do MIS chegou a sua terceira etapa, a de instalações e acabamentos. A primeira foi dedicada à demolição seletiva do imóvel que ocupava o terreno e a segunda envolveu a execução de fundações e estruturas. A previsão da Secretaria da Cultura (Secult) do estado do Rio de Janeiro é que as obras sejam concluídas no segundo semestre de 2014. Em 2015 será implantado o projeto de museografia, que presta homenagem à cultura, à paisagem e à alma carioca e está em produção.
Ocupando terreno de 1.291,70 metros quadrados, onde antes existia uma boate, o prédio tem sete pavimentos e dois subsolos, totalizando 10.838,13 metros quadrados de área construída. “Havia uma limitação de altura para não aumentar as zonas sombreadas no calçadão e na praia. Originalmente, o edifício tinha seis andares, mas, a partir do estudo das sombras já projetadas pelas construções anteriores à entrada em vigor da lei, outro pavimento pôde ser incluído no projeto executivo”, lembra Larissa.
CONJUNTO ÚNICO
A estrutura de concreto do edifício é um conjunto único que sustenta o corpo, fachadas e rampas em balanço. As lajes são protendidas e as cargas são descarregadas nas vigas, que, por sua vez, o fazem nos pilares e finalmente na fundação. Segundo Larissa, foram complexos os cálculos estruturais, que “não se repetem, pois a assimetria é muito grande; o prédio trabalha estruturalmente diferente”. O primeiro bloco, por exemplo, forma uma treliça que se fecha apenas no segundo pavimento. Além disso, todos os elementos da obra têm função estrutural, até as escadas.
A geometria do prédio, com vãos mais livres e elementos estruturais esbeltos, demandou uma combinação específica de aço e concreto. E como a quantidade de aço dentro dos pilares e das lajes é grande, o concreto precisava possuir fluidez, sendo quase líquido, para se misturar com esse aço de trama bastante fechada e preencher os espaços por completo, sem bolhas. Por essa razão, foi usado o concreto autoadensável. “Como seus aditivos são sensíveis a temperaturas superiores a 30º C e umidade relativa do ar inferior a 50%, a demanda de controle de temperatura para chegar à obra foi muito rigorosa. Neste caso utilizou‑se gelo na água de amassamento do concreto e o horário de chegada no local também foi planejado”, explica Larissa.
Embora o prédio tenha geometria irregular, lajes e rampas em balanço e diferentes tipos de materiais nas fachadas, os projetos foram desenvolvidos de forma integrada. Toda a estrutura foi concebida considerando seu uso – peso dos suportes de museografia e número de pessoas que pode chegar a mais de mil visitantes simultâneos. “Na obra do MIS, o indicador é 500 kg / m2, mais a margem de segurança”, garante Larissa.
FACHADAS TRIDIMENSIONAIS
A partir da interpretação do calçadão com seu jogo de contrastes entre o preto e o branco, surge a paleta de cores do projeto. As fachadas têm recursos tridimensionais representados pelos painéis de cobogós metálicos e placas modulares de concreto. Sob consultoria do engenheiro Igor Alvim, da QMD, a empresa portuguesa Seveme Brasil desenvolveu o projeto executivo, fabricação e instalação das fachadas especiais de aço, alumínio e vidro.
Na envoltória do térreo e mezanino foram utilizados vidros incolores levemente esverdeados de 14 milímetros de espessura colados em perfis de alumínio e fixados em montantes de aço. Nesse trecho os vidros são prumados e retos. Nas áreas administrativas, de pesquisa, educativas e do restaurante serão empregados apenas vidros incolores, do piso ao teto, sobre um perfil U de aço inox instalado nas partes superior e inferior do vão.
Segundo José Ferreira, diretor técnico da Seveme Brasil, a altura da fachada pode chegar a 8,60 metros, mas os painéis de vidro são secionados. O maior quadro de vidro instalado está na face leste e tem 3,20 metros de altura. Devido a seu tamanho houve a necessidade de aumentar a espessura do vidro para 20 milímetros. Nesse caso, para a colocação dos vidros foram utilizados perfis U de aço inox superior e inferior com corrimão pelo lado interno. Para os guarda-corpos externos adotaram-ses vidros extraclaros, com alturas e espessuras variáveis de 16, 20 e 24 milímetros aplicados em perfil inferior de aço inox e corrimão iluminado.
Além do concreto e do vidro utilizados em todas as faces, as fachadas principal e posterior foram trabalhadas com elementos que garantem a integração do museu com o exterior. A face principal, voltada para o leste, ganhou painéis de cobogós metálicos e a posterior, voltada para o oeste, tem sistema de fachada ventilada de concreto polimérico, constituída por um mural tridimensional composto por placas modulares de 15 x 15 centímetros, em seis cores. Esse mural, por sua geometria, escala e diversidade de tons, forma um mosaico que, dependendo do ângulo do observador, mostra a boca ou os olhos de Carmen Miranda.
Segundo a arquiteta Marina Arruda, da Construtora Rio Verde, a fachada ventilada está equidistante da parede de concreto 1,5 centímetro. Para a instalação das placas – que têm entre si junta de dois milímetros – são utilizados perfis metálicos aparafusados no concreto, dispostos a cada seis metros. O tamanho dos perfis varia conforme o desenho a ser formado. No total serão usadas cerca de 88 mil placas modulares na fachada, que está em fase de execução.
COBOGÓS METÁLICOS
A face principal ganhou painéis de cobogós metálicos, uma nova versão dos tradicionais elementos de cerâmica. Um efeito tridimensional na fachada foi obtido pela composição de módulos constituídos de cobogós, no lado interno, e vidros laminados extraclaros, de 14 milímetros, externamente. Equidistantes 360 milímetros, os vidros foram instalados paralelamente às chapas metálicas perfuradas. Para atender à geometria irregular da face, vidros e painéis metálicos possuem inclinações, seções retas e triangulares e tamanhos diferentes.
Os painéis de cobogós são compostos por uma chapa de alumínio de 65 milímetros de espessura furada em diversos ângulos. Desses furos saem tubos de alumínio com 80 milímetros de diâmetro e 260 milímetros de comprimento total. A partir do interior do museu é possível ver somente as furações na chapa, pois os tubos sobressaem na face exterior da chapa, junto ao vidro. De acordo com Larissa, cada painel de cobogós tem um ângulo que deve ser rigorosamente seguido. Alguns têm apenas uma direção, outros voltam‑se para os lados, para cima e para baixo.
Essas orientações foram idealizadas para contemplar todos os ângulos da paisagem, dependendo da intenção da arquitetura. No primeiro andar, por exemplo, um dos painéis tem tubos virados para diferentes ângulos, a fim de permitir a visualização da paisagem como um todo, como se fosse uma lente grande angular.
Pintura eletrostática será usada no acabamento de superfície dos painéis de cobogós, que estão sendo fabricados e pré‑montados na fábrica da Seveme, em Sever do Vouga, distrito de Aveiro, em Portugal. Para a instalação dos módulos, a fachada terá montantes tubulares de aço com dimensões de 200 milímetros de comprimento, cem milímetros de largura e dez milímetros de espessura. No lado externo desses montantes serão fixados os vidros colados com silicone estrutural em perfis de alumínio.
Pelo lado interno, os painéis de cobogós serão presos em perfis de aço inox. Estes, por sua vez, serão fixados por meio de inserts na estrutura de concreto do edifício. Como os painéis de cobogós terão diferentes tamanhos, os maiores receberão dobradiças que permitirão a abertura do painel para o interior através de um sistema motorizado. Dessa forma será possível fazer a manutenção e limpeza dos vidros da fachada.
O painel de cobogós dá conta de um paradoxo. “Não se pode negar a vista belíssima de um lugar como a praia de Copacabana, nem deixar de oferecer as condições necessárias para a exibição do conteúdo audiovisual apresentado no museu. Por isso, ele tem a finalidade de filtrar a entrada direta de luz. E, sob o ponto de vista estético, os tubos dão movimento e volume para a fachada, trazem a paisagem para o percurso expositivo e, à noite, ganham contornos interessantes quando iluminados”, conclui Larissa Graça. O projeto pleiteia o selo Ouro da certificação Leed.
Fonte: Arcoweb