A arquiteta contou sobre a experiência projetual francesa e a implantação do Ateliê Nacional
A chefe do Departamento de Estratégias Territoriais do Ministério da Ecologia da França, Cristina Garcez, mostrou no IAB-RJ que o país também é referência em desenvolvimento de planos estratégicos para o desenvolvimento urbano e econômico de suas cidades.
Ao IAB, a arquiteta contou sobre a experiência projetual francesa e a implantação do Ateliê Nacional.
Ela também analisou a proposta do governo brasileiro de ampliar o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) para as obras de segurança pública, mobilidade urbana e infraestrutura logística. Confira a entrevista abaixo.
Instituto de Arquitetos do Brasil: Pensar estrategicamente o território é algo já institucionalizado na França?
Cristina Garcez: Não. O que é institucionalizado são as leis, que obrigam os gestores a desenvolverem planos estratégicos em certas escalas. Todas as leis exigem, cada vez mais, esse tipo de planejamento. Porém, isso está longe de ser uma planificação de qualidade. Os planos na França começam por um diagnóstico, que é dissociado do projeto.
A consequência desse processo é a perda da ideia inicial. Esse é um trabalho exaustivo e que custa caro. O objetivo do Ateliê Nacional – órgão criado pela direção de urbanismo do Ministério de Habitação e Igualdade do Território, em 2007, para pensar estratégias territoriais – é mostrar que investir recursos para montar boas equipes para desenvolver projetos é mais coerente e eficaz do que gastar energia em diagnósticos. No Ateliê, desenvolvemos projetos em grandes escalas num período de um ano.
IAB: A promoção de estudos e desenvolvimento de estratégias é uma atribuição exclusiva do governo federal?
CG: Quando se fala em organização do território, desenvolvimento desorganizado, crise energética e promoção de cidades mais ecológicas e compactas, penso que é papel do governo incentivar o desenvolvimento de planos estratégicos. Como ele pode incentivar?
O Ateliê é uma alternativa para isso. Apresentar referências, em vez de tentar controlar o crescimento através de regulamentações e leis, é importante. O governo deve arregaçar as mangas e criar referências. É preciso também apresentar as ideias para o debate público e melhorar a qualidade da discussão. Num cenário de crise econômica, a responsabilidade do governo de se tornar uma referência é maior.
O compartilhamento dos projetos também é importante. Com uma única equipe, conseguimos desenvolver seis projetos por ano. Isso significa economia de dinheiro para vários prefeitos, que muitas vezes não teriam condições de contratar uma equipe como a do Álvaro Siza para desenvolver um projeto para a sua cidade.
Dividir os projetos com cidades economicamente mais frágeis, que não são cobertas por projetos, é mais importante ainda. São esses territórios que hoje produzem mais poluição e onde a expansão urbana age com mais força.
IAB: Como os projetos das obras públicas, em geral, são licitados na França?
CG: Os projetos de obras públicas, cujo valor é a partir de € 200 mil, são selecionados obrigatoriamente através de concurso público. Os concursos têm como consequência a contratação dos vencedores para a missão completa: desenvolvimento dos projetos executivo e complementares até a realização da obra. A missão do arquiteto, que é bem definida por lei, abrange ainda a supervisão e controle das empresas que vão realizar as partes da obra.
Tudo fica sob controle do arquiteto. Atualmente, há uma discussão na França para obrigar o sistema global de concurso. Nesse sistema, o arquiteto participa da competição junto com o empreiteiro. Os arquitetos e a Ordem dos Arquitetos, órgão equivalente ao Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), estão reagindo contra essa aplicação da diretiva europeia para globalizar os concursos.
IAB: Qual é a vantagem de se promover concursos públicos de projeto?
CG: Primeiro, por ser um incentivo à criação. O concurso na França é considerado uma grande vitória dos arquitetos, que batalharam para isso. A prática está ligada ao patrimônio francês. Obras interessantes foram concebidas e construídas a partir de concursos.
Além do incentivo à criação, a competição é um meio democrático, pois permite que os responsáveis políticos discutam as várias propostas apresentadas. O concurso é uma prática que faz com que a disciplina evolua e permite a apresentação de obras cada vez mais interessantes.
IAB: No Brasil, o governo criou uma modalidade de contratação que permite a licitação de obras sem projeto completo. Chama-se Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC). Recentemente, o RDC foi ampliado para obras de segurança pública, mobilidade urbana e infraestrutura logística. Qual é a sua avaliação sobre essa prática?
CG: Acho que generalizar uma lei ou método é muito perigoso. A concepção da obra e a sua realização são duas coisas distintas. Existe na Europa essa mesma ideia de mercado global, onde os arquitetos têm que se inscrever nos concursos públicos de projeto junto com o empreiteiro. A prática está sendo duramente criticada pelos franceses. A medida que o projeto evolui e se torna mais detalhado, o custo varia, mas o modelo do mercado global engessa a relação entre arquiteto e empreiteiro. Isso tem consequências sérias para a obra. Por isso, tenho um ponto de vista pessimista em relação ao RDC.
Fonte: IAB