Por: Luciele Velluto
O controvertido, mas bem-sucedido, modelo Ambev de gestão não conseguiu salvar a fabricante paulista de mobiliário corporativo da falência
Em 1975, o acionista e herdeiro da Giroflex Pedro Schmidt doou suas ações para uma ONG. Ao explicar a decisão, que causou estranheza à época por gente que o cercava, o empresário alegou que foi a forma encontrada para garantir a perenidade do negócio iniciado por seu pai em 1951. Quase 40 anos depois da doação, diversos sócios e uma série de escolhas erradas, a empresa construída pela família de origem alemã viu o sonho de Schmidt, falecido em 2007, desandar.
No dia 11 de junho foi anunciado o fechamento da empresa, que não conseguiu escapar da falência, mesmo nas mãos de ex-executivos da Ambev e da Gafisa, como Sérgio Saraiva, Magim Rodriguez Júnior e Luiz Cláudio Nascimento, que assumiram seu controle em 2011. O ponto culminante da crise foi a perda da marca, sinônimo de cadeiras e mobiliário corporativo, para um antigo acionista, após não conseguir honrar uma dívida. “A operação se tornou inviável, não cabendo nem recuperação”, afirma Ivan Vitale, advogado responsável pelo pedido de falência da empresa na Justiça e que responde pelos acionistas.
Para entender o processo que resultou no fim da Giroflex, que em seu auge chegou a faturar R$ 200 milhões, é preciso retornar três anos no tempo, a partir do momento em que o fundo de investimentos Galícia, controlado por sete antigos executivos do primeiro escalação de empresas como Ambev e Gafisa, adquiriu 51% do negócio. O fundo fora procurado pela ONG Associação Beneficente Tobias, entidade construída por Pedro Schmidt para financiar projetos sociais, e que se tornou herdeira da companhia. O motivo era um rombo nas contas, o que levou a entidade a buscar gestores capacitados.
Foi então que surgiram o Galícia e Sérgio Saraiva, ex-vice-presidente da gestão Ásia-Pacífico da AB Inbev, que montou uma estratégia de reestruturação do negócio. Procurada, a entidade não respondeu à reportagem. Por meio do choque de gestão, característico da Ambev, os novos sócios esperavam que a Giroflex retomasse o caminho do crescimento. Entre as medidas adotadas estavam o enxugamento do quadro de pessoal, que caiu de 900 para 390 funcionários, e o corte de custos de fabricação.
Uma das alternativas foi a terceirização da produção, que chegou a representar 30% dos componentes utilizados. Aos poucos, a Giroflex foi se tornando uma montadora de cadeiras. “Era uma forma de competir com os importados”, afirma Vitale. Ao mesmo tempo, foi implantado o modelo Ambev de austeridade e bonificação para os executivos. De acordo com Saraiva, as mudanças permitiram que a empresa conseguisse elevar o índice de eficiência em 35% e as despesas fixas diminuíssem em 33%. Diante desses resultados iniciais, Saraiva pensava grande, prometendo que a empresa, que carregava um pesado endividamento, chegaria ao R$ 1 bilhão de receita em 2017.
Para aumentar as encomendas e aproveitar o momento Copa do Mundo, a Giroflex decidiu participar da concorrência para o fornecimento das cadeiras das Arenas, implacando no Maracanã, no Rio de Janeiro, e no Beira-Rio, em Porto Alegre. Os êxitos iniciais, que animaram os novos controladores do Galícia, tiveram curto fôlego. Alguns detalhes não estavam previstos nos planos. Metade do faturamento da companhia vinha de compras governamentais e o mercado de móveis corporativos sofre com sazonalidade. “Para as empresas do setor, só é bom o segundo semestre”, diz Antonio Lopes de Carvalho, presidente do Sindicato dos Oficiais Marceneiros de São Paulo e funcionário da Giroflex por 28 anos.
Outro problema, na opinião de Carvalho, é que profissionais experientes deixaram a companhia durante os cortes de funcionários. Ao iniciar 2014, a Giroflex contabilizava uma dívida de R$ 80 milhões para bancos, fornecedores e trabalhadores, mesmo com os aportes – os valores não foram revelados pelo Galícia – feitos pelo fundo. De acordo com Vitale, a inadimplência dos clientes, problemas de caixa e ainda a concorrência com importados acabaram engolindo a empresa. “O que surpreende é como profissionais capacitados como eles cometeram um erro de avaliação desse nível”, afirma o professor de negócios do Ibmec/MG Paulo Pacheco.
“O modelo Ambev é um sucesso na cervejaria, mas pode não dar certo fora dela.” O último mês de operação foi melancólico para a Giroflex, que até sem-teto se tornou. “Eles foram despejados”, afirma Carvalho. Junto com a ordem de despejo ainda veio a perda da marca para a companhia Aceco, ex-sócia da ONG, pois o nome Giroflex havia sido dado como garantia de pagamento por ações recompradas. Sem marca e sem fábrica, a única solução encontrada por Saraiva, Rodriguez, Nascimento e seus sócios foi colocar um ponto final em uma história de 63 anos.
Link: http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/negocios/20140725/que-deu-errado-giroflex/174866.shtml#.U91-DJ4pF7N.facebook
Fonte: Isto é Dinheiro