Salários baixos, ausência de carteira assinada e falta de oportunidade de crescimento profissional são alguns dos problemas enfrentados por arquitetos no mercado de trabalho brasileiro. A realidade é que talento não necessariamente garante remuneração justa e perspectiva de carreira futura e, além disso, este profissional sente no dia a dia a falta de um maior reconhecimento do valor do seu ofício pela sociedade em geral. A valorização profissional vem sendo debatida pela mídia especializada e organismos de classe como o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) que, em abril deste ano, em prol de condições mais justas de contratação de projetos de arquitetura, repudiou a aprovação da MP 630/13 pela Câmara dos Deputados – a medida transfere para grandes empreiteiras as tarefas de projetar e realizar obras por meio da “contratação integrada”. É inegável que o resguardo da arquitetura depende da atuação das entidades de classe, mas estas só se fortalecem por meio da ação dos arquitetos. São suas escolhas e ações que repercutem na imagem que a sociedade tem da profissão. Assim, fica a questão: de que formas agir para a própria valorização?
A valorização do arquiteto se mede pela sua participação efetiva no desenvolvimento do espaço físico, ou seja, o da cidade. Perdemos muito terreno em um contexto em que lógicas de mercado estão se sobrepondo à ação pública. Redefinir o nosso papel, assim como os processos, se torna crucial para sair da margem. Devemos continuar a pensar grande, planejado, sustentável, integrado, permeável, mas dominar as regras do jogo; aceitar concurso para tudo, mas exigir regras; ser competitivo, mas não ganancioso; pensar situações reversíveis, não jogar contra a cidade, mas aceitar as exigências do mercado; promover processos criativos abertos, participativos, sem deixar diluir as nossas prerrogativas… Tout un programme!
Não existe profissional valorizado exercendo uma profissão desvalorizada. E nada é mais efetivo para a valorização de uma profissão do que o engrandecimento da sua entidade de classe. O profissional deve participar das atividades da sua associação: ajudar a organizar ou divulgar eventos, disponibilizar-se para ser representante em comissões ou grupos de trabalho para os quais a entidade seja convidada, compor diretorias e equipes técnicas etc. Uma entidade de classe sólida e respeitada é sinônimo de profissão forte e valorizada. Ela é ouvida e respeitada nas questões que envolvem o objeto e os interesses da profissão representada. Participar da entidade de classe e trabalhar pelo seu funcionamento e crescimento é tarefa que geralmente consome tempo e energia sem nenhuma contrapartida direta, mas é um gesto de desprendimento que caracteriza os profissionais que desejam verdadeiramente que a profissão seja valorizada e que a marca arquitetura permaneça viva (e forte) na mente das pessoas.
Os arquitetos são os únicos responsáveis por sua valorização profissional. Não devem entregar a qualquer preço o seu trabalho intelectual e técnico. Caso contrário, desvalorizam seu crescimento, não assumem responsabilidade e estão a pensar apenas no dia a dia, sendo que o importante para a valorização da profissão é pensar a médio e longo prazo. Quando o arquiteto entrega seu trabalho a qualquer preço, o comprador se aproveita da situação, fomentando a inconsequência do ato, aumentando o custo da obra e de sua manutenção, pagando durante vários anos os custos das irresponsabilidades e erros desses maus projetos. Trata-se uma profissão de grande responsabilidade para com o ser humano, sociedade, saúde, segurança, bem-estar das pessoas e sustentabilidade. É importante entender a frase que eu considero a síntese do significado da arquitetura: “a arquitetura é a somatória da atitude estética e criativa em função do homem usando a tecnologia e respeitando o meio ambiente”.
A valorização profissional de arquitetos e urbanistas passa pela regulamentação de sua atuação, definição de honorários dignos e representação de classe, pontos sobre os quais tivemos conquistas recentes, que são do campo das construções coletivas. É preciso que o exercício profissional seja tratado com formalização e parâmetros adequados individualmente, evitando-se situações como prestação de serviços de modo informal ou que subdimensionem o conhecimento técnico envolvido e suas responsabilidades. Por outro lado, o compromisso com a busca por soluções criativas e adequadas à realidade brasileira, sem que se sobreponha interesses particulares aos interesses coletivos, é o tipo de postura que é construída no cotidiano e que, quando adotada, ajuda na percepção das pessoas sobre o papel que nós, arquitetos, desempenhamos socialmente.
A valorização profissional baseia-se em três pontos: respeito, conhecimento e parcerias. O arquiteto deve respeitar a si mesmo, fazendo o que gosta com dedicação, sem se deixar levar por propostas de trabalho que não reconheçam seu real valor. O respeito deve existir com os clientes e colegas de trabalho, por meio da ética no exercício da profissão. Agrega-se a isso a busca constante por conhecimento pela leitura de livros e revistas especializadas, assim como a participação em cursos e eventos da área. O mercado está cheio de novidades lançadas diariamente, e o cliente, cada vez mais informado, espera um profissional atualizado com as tendências. Por fim, o arquiteto tem de ter boas parcerias, pois um trabalho de qualidade é resultado do esforço de uma equipe multidisciplinar competente, que visa a oferecer o melhor para o cliente e a sociedade de um modo geral.
O arquiteto deve começar o dia com a certeza de pertencimento ao lugar e ter a real dimensão de que convive com outros. Sem essas certezas internalizadas ele jamais será um bom arquiteto, no sentido de parceiro social e sujeito ativo na melhoria das condições de vida das pessoas. Além disso, penso que o arquiteto deve ter um senso apurado e refinado de audição e visão, ouvir atenta e criticamente as demandas que lhe são apresentadas e enxergar com clareza o contexto em que irá atuar; assumir de forma plena as responsabilidades profissionais, sobretudo as responsabilidades éticas, e responder por cada ação ou omissão. Ademais, deve defender o direito das pessoas à cidade, colocar o seu saber específico a serviço dos legítimos interesses coletivos, ser um guardião da herança cultural do País (incluindo a sua arquitetura) e transmitir este legado às futuras gerações. Agindo assim, o arquiteto estará valorizando o seu ofício e defendendo os princípios e valores seculares da arquitetura.
Fonte: Revista AU