Autor: Sérgio Magalhães
É uma boa surpresa. Diferentemente das eleições anteriores, nesta, de outubro próximo, os principais candidatos à Presidência da República apresentaram programas para ações urbanas.
É verdade que a promoção de uma agenda urbana para o país vem sendo reivindicada em diversas frentes da sociedade e da academia; mas é certo que ela ganhou densidade através das ruas, quando os movimentos de junho de 2013 adentraram o cenário nacional e, como uma ola, chegaram até os dias do Mundial a reivindicar uma atenção para os problemas das cidades. É saudável, portanto, essa atitude dos candidatos.
Não é sem tempo. Há seis décadas tomou impulso o processo de urbanização do país, passando a população das cidades de escassos 15 milhões para cerca de 180 milhões de habitantes, construindo um patrimônio de 20 metrópoles e duas megacidades. Mas esse sistema de cidades foi construído no jeitinho e no improviso — resultando também em enorme passivo socioambiental.
Assim, é fundamental que o equacionamento dos problemas urbanos brasileiros conste da pauta política nacional (é inacreditável que ainda não tivesse feito parte dos programas eleitorais).
Os candidatos anunciaram metas (muito parecidas, diga-se) para temas como a mobilidade, o saneamento e a moradia. É bom. Mas é pouco. Com ênfase em quantitativos, muitas vezes reiteram conceitos superados, tais como tratar esses temas isoladamente e pensar a habitação como a construção de moradia alheia à sua inserção na cidade. Ainda assim, certamente é positiva a intenção de enfrentar esse enorme passivo herdado do século passado e que caracteriza nossas cidades.
Contudo, é especialmente importante promover a cidade que corresponda ao ideário contemporâneo.
Nele, é essencial uma agenda para democratizar as cidades. Isto é, reduzir as gigantescas desigualdades intraurbanas; garantir que os serviços públicos alcancem todos os cidadãos, que as exigências ambientais sejam consideradas, que se preserve o bom espaço público, o lugar da interação social. O desenvolvimento neste século XXI, inclusive o econômico, só se dará com boas cidades.
É tarefa diferente das propostas das últimas décadas, onde prevalece o isolamento no morar, no consumir, no lazer, que promovem os condomínios fechados e os guetos, ricos e pobres, os shopping centers e os parques temáticos, o privilégio ao transporte individual e o alastramento infinito e amorfo de nossas cidades.
Nosso país está maduro para construir instituições consistentes, que deem suporte a políticas de médio e de longo prazos, não apenas metas para o daqui a pouco.
Como demonstrado na Copa do Mundo, não é jogo apostar em salvadores da pátria. Tampouco insistir apenas no jeitinho e no improviso. Como no futebol, esse é um processo para ser feito com continuidade e em conjunto, mas, como pedia Nelson Rodrigues, não se pode dispensar o talento — que na cidade talvez possa ser traduzido pela população na construção coletiva do espaço, na sua fruição com alegria e encantamento.
(Desculpe, não deu para deixar de falar em Copa do Mundo…)
Mini currículo: É arquiteto e doutor em Urbanismo (UFRJ/FAU-Prourb), professor do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi secretário municipal de Habitação do Rio de Janeiro (1993-2000), secretário de Estado de Projetos Especiais do Rio de Janeiro (2001-2002) e subsecretário de Estado do Desenvolvimento Urbano do Rio de Janeiro (2003-2004).
* Artigo publicado originalmente no dia 20 de julho de 2014, no jornal O Globo