Estrutura circular “flutua” sobre a água
No Projeto do Museu de Arte Popular para o Campus da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) em Campina Grande, Oscar Niemeyer reafirma sua paixão pelas belas e complexas curvas, executadas com os materiais que o acompanharam durante sua longa trajetória: Concreto, aço e vidro. Devido à forma arredondada das estruturas que a compõem, a obra conhecida como o Museu dos Três Pandeiro.
Constituído por três pavilhões expositores circulares, dispostos em forma de triângulo, o Museu de Arte Popular da Paraíba (Mapp) foi implantado às margens do Açude Velho, cartão-postal de Campina Grande. A faixa de terra destinada ao projeto, com apenas 2 mil metros quadrados, tinha seu contorno delimitado por um muro de alvenaria de pedras que, por ser tombado, não permitia novos aterros. A solução encontrada por Niemeyer foi elevar o piso dos pavilhões de exposição, recurso que deu mais visibilidade às edificações e liberou a visão do espelho d’água a partir da via que circunda o açude.
De acordo com o engenheiro Mário Terra Cunha, da Avantec Engenharia e responsável pelo cálculo estrutural do museu, “devido à limitação do espaço, apenas dois pavilhões foram projetados no terreno, ficando o terceiro sobre a água. Cada um deles tem 16 metros de diâmetro. Os dois que foram assentados no solo estão apoiados em seus núcleos centrais, onde se instalaram elevadores e escadas, enquanto o outro se apoia sobre uma grande viga em balanço de 26 metros sobre o espelho d’água”. Os volumes interligam-se através de um piso (denominado plataforma) acessado externamente por duas rampas protendidas que contornam as construções.
Segundo o engenheiro, a fundação da viga em balanço foi o ponto de maior dificuldade no processo construtivo, em função das condições do muro a ser preservado e da necessidade de buscar o apoio em rocha sã, passando por uma camada de aproximadamente três metros. “Junto à parede de pedra adotou-se uma cortina com três linhas de tubulões escavados um a um até atingir a rocha sã, sem descalçar o muro. No restante da projeção do bloco, onde foram executados 18 tirantes monobarras, a recomposição do solo foi feita com concreto ciclópico”, completa Cunha. Pelo minucioso trabalho de cálculo estrutural do Mapp, ele recebeu da Abece/Gerdau o prêmio Talento Engenharia Estrutural 2013, na categoria obras especiais.
Quanto ao apelido de Museu dos Três Pandeiros, devido à forma semelhante à do instrumento, o arquiteto Luiz Marçal, membro da equipe de Niemeyer que acompanhou a execução da obra, conta que “a ideia do Oscar, na verdade, não foi o pandeiro; a forma foi mais uma de suas ousadias arquitetônicas, a de fazer um dos prédios ‘flutuar’ sobre as águas do cartão-postal da cidade. Mas ele ficou muito feliz quando soube que o povo se apropriou do projeto e reverenciou os músicos da região”. Outro aspecto que entusiasmou Niemeyer foi o fato de o Mapp ser executado exclusivamente com mão de obra local – no total, mais de 60 operários trabalharam no canteiro.
Apesar de concluído poucos dias antes da morte de Niemeyer, em dezembro de 2012, o museu só foi aberto ao público em meados de junho passado. Durante mais de um ano, os órgãos da universidade responsáveis pelo Mapp se dedicaram a reunir, classificar e organizar os diferentes gêneros das coleções em cada uma das três estruturas.
O pavilhão das exposições de artesanato (com curadoria dos arquitetos Mário Santos e Roberta Borsoi) ocupa a estrutura suspensa sobre a água e reúne artigos do cotidiano dos paraibanos, feitos pelas pessoas da terra. Já o volume destinado a música, cordel e xilogravura (curadoria de Camila Toledo) expõe discos de vinil, roupas, instrumentos musicais, documentos e objetos pessoais de artistas populares como Jackson do Pandeiro, Sivuca, Marinês, Elba Ramalho e Herbert Viana. A estrutura voltada para literatura de cordel e xilografia apresenta uma coleção de pandeiros do poeta e cordelista Manoel Monteiro, falecido recentemente, o conjunto de cordéis da UEPB e ainda 10 mil títulos da Biblioteca de Obras Raras Átila Almeida. A xilogravura é representada pela obra de José da Costa Leite, cujo trabalho ilustra cordéis há décadas. O acervo continuará a ser ampliado e terá caráter itinerante, podendo ser exposto em outros museus do país. Uma oficina de xilogravura funciona no local de forma permanente, com o objetivo de formar artistas populares.
Além do Mapp, Niemeyer deixou outros projetos para a UEPB, alguns com a implantação já em andamento, como o da nova Biblioteca Central (doado pelo arquiteto à universidade), que faz parte de um plano diretor para o campus de Bodocongó e envolve ampla estrutura de urbanização do entorno, incluindo o plano de recuperação do açude local. Também são propostas do arquiteto e equipe para a mesma instituição o Centro de Vivência do campus 1; o Memorial de Cultura Popular, no campus de Patos, e o novo campus em Monteiro.
DIFICULDADE DO PROJETO ESTRUTURAL*
Uma análise mais detalhada dos desenhos de forma, estrutura metálica e de protensão da estrutura do MAPP permite avaliar o grau de dificuldade do projeto estrutural. O engastamento do bloco principal na rocha de fundação foi o ponto de maior preocupação, pois um pequeno recalque neste apoio iria refletir significativamente na extremidade do balanço.
Através de modelo estrutural, que englobou todo o pavimento de exposições e suas fundações, foi possível desenvolver a análise integrada do atirantamento na rocha de fundação, da protensão da viga em balanço e da parede que a liga ao bloco de fundação.
OS VÁRIOS DESAFIOS**
A ideia da construção de uma obra de Oscar Niemeyer em Campina Grande nasceu em 2009. O local escolhido, às margens do Açude Velho, é testemunha do desenvolvimento da cidade. Em conversa com um ex-aluno, proprietário de uma construtora e vencedor da licitação da obra, fui convidado a participar do desafio. O primeiro foi o de executar as fundações com as águas do açude invadindo as escavações dos três blocos em círculo e do bloco administrativo, que era semienterrado. Como solução, adotamos a criação de valas profundas que drenavam a água para poços escavados numa cota mais baixa, e bombeando a água de volta para o açude enquanto executávamos a armação e concretagem das peças. Dois dos círculos expositores ficavam apoiados no solo, enquanto o terceiro era apoiado em balanço de 25,70 metros, avançando sobre a água. A fundação desse expositor em balanço foi dimensionada sobre estacas de 10 metros de comprimento, pelo calculista Mário Terra Cunha, do escritório Avantec, do Rio de Janeiro. A solução, no entanto, não pode ser executada, porque fomos surpreendidos pela presença de rochas na profundidade de 4 metros. O cálculo mudou, então, para tirantes na parte tracionada e tubulões na parte comprimida do bloco de fundação. Os tirantes foram cravados 6 metros na rocha e protendidos.
O segundo desafio disse respeito à necessidade de uma plataforma de apoio nas águas do açude para a execução do balanço, de concreto protendido, assim como do círculo expositor. Era muito peso para equilibrar e também não sabíamos a profundidade do açude, nem o tipo solo submerso que iríamos encontrar.
Imaginamos a contratação de uma empresa para fazer a batimetria e efetuar a sondagem do solo, mas constatamos que o custo seria muito alto. Recorremos então à Prefeitura, que possuía uma canoa para retirada de resíduos das águas e, com ela, um operário nosso ia penetrando uma vara na água e medindo a parte que ficava submersa. Fizemos isso em toda a área onde executaríamos o nosso “pier”, ou seja, a plataforma de sustentação. A profundidade não passou de 1,90 metros. Restava saber se o solo ofereceria o suporte suficiente, e como e de que material seria feita a plataforma. Elaborei, então, um projeto que foi aprovado pela fiscalização e pelo proprietário da construtora: colocar estacas de madeira de 20 cm x 20 cm x 5m de comprimento, espaçadas numa malha de 2,5m x 2,5m, contraventadas com barrotes nas duas direções na horizontal e diagonal. No topo das estacas foram colocadas vigas de madeira para a sustentação do assoalho, também feito com o mesmo material. Chegamos a outro problema: como cravar as estacas? Foi quando alguém sugeriu que colocássemos um adaptador numa retroescavadeira, de maneira que ela funcionasse dando impacto na cabeça das estacas, fazendo as suas cravações. O sistema deu certo e batíamos nas estacas até que elas não penetrassem mais no solo. Íamos contraventando, assoalhando e a retro ia se deslocando e cravando mais estacas.
Fica difícil para quem não conviveu conosco imaginar como a nossa estrutura física era simples para executar um trabalho de tanta complexidade. Na mesma obra tinha fundação protendida, pilar que saía do bloco central também protendido, parede em balanço protendida, rampas de acesso protendidas, estrutura metálica, fundação em radier no bloco semienterrado… Mas foi um grande Oscar Niemeyer.
Tenho de agradecer a todos que me ajudaram na execução desta “joia” ao Fiscal UEPB, Engº e meu ex-aluno Aderson Rodrigues, Engº. Mário Terra Cunha, calculista da obra, pelo grau de detalhamento de seu projeto, o que facilitou a execução da estrutura, ao mestre de obras Ivan, ao nosso estagiário George Felinto, aos diretores das construtoras, os engenheiros Virgilio Brasileiro e Marcelo Pontes, a reitora Marlene Alves, e a todos os operários, principalmente àqueles que literalmente enfiaram-se na lama para que a obra brotasse. Tenho também que não só agradecer, mas também homenagear, àquele que sempre esteve ao meu lado, dirimindo minhas dúvidas sobre o projeto arquitetônico, como representante do escritório de Oscar Niemeyer, o meu amigo, o arquiteto e compositor Luiz Marçal Neto. O interessante nisto tudo era que, nas horas das maiores dificuldades, sentávamos à beira do açude e começávamos a cantar músicas de bossa nova, e logo em seguida resolvíamos os problemas sem estresse.
Fonte: Arcoweb