Por Clémenceau Saliba
No trabalho pericial diário, tenho observado que atrasos, abandonos, superfaturamentos e graves acidentes em obras públicas vêm ganhado notoriedade, além de trazer severas consequências à sociedade.
Por óbvio, não existe uma única causa para esses fatos, mas seguramente a forma de contratação efetuada pelos poderes públicos federal, estadual ou municipal, lastreada na maioria das vezes apenas no menor preço, tem grande peso e merece reflexão.
Na contratação de projetos de engenharia, para ofertar menor preço global, habitualmente se reduz a remuneração do engenheiro e o número de horas gastas na sua elaboração. Dificilmente os que ganham menos são os melhores e, com menos tempo disponível para sua elaboração, os projetos acabam sendo quase que repetições de outros, diminuindo sua qualidade e cerceando a possibilidade do engenheiro buscar novas opções.
Em raríssimas ocasiões, são estudadas soluções técnicas buscando encontrar a melhor relação entre custo e beneficio ao longo da vida útil da obra, ou seja, quanto o contribuinte, que financia essas obras com pagamento de impostos, vai realmente pagar, não só para construí-las mas também para mantê-las.
Qualquer cidadão que faça planejamento orçamentário de seus gastos cotidianos, investimentos familiares ou aquisição de bens móveis e imóveis se dispõe a fazer uma breve análise de custo e benefício antes de gastar os recursos da família. Nesse processo, analisa fatores como durabilidade, economia, credibilidade e a expectativa de retorno do bem a ser adquirido.
É possível inferir que os gestores públicos, em sua vida privada, utilizem do mesmo expediente, por exemplo, na escolha de médicos e advogados, raramente contratados pelo menor preço e dificilmente questionados, uma vez comprovada sua excelência profissional.
Obras públicas são lançadas sob forte pressão política para serem iniciadas antes de eleições. Os processos de licitação dessas obras são baseados em projetos básicos, sem detalhamento, ocasionando reprojetos durante a execução. Os preços de referência são baseados em tabelas fixas, sem considerar as particularidades de cada obra como local, o prazo de execução ou o prazo/risco dos pagamentos. Também os custos indiretos e, acreditem, até o lucro são limitados, ou seja, como se as obras fossem commodities.
Tamanha incongruência faz com que as obras tenham preços cada vez mais impraticáveis, se levarmos em consideração os riscos e incertezas desses empreendimentos. Para se manter no mercado, empresas fazem uma busca frenética pela redução dos custos a qualquer preço.
Sem contar os desvios éticos, em muitos casos o resultado disso são os atrasos, abandonos e até acidentes, mas o mais grave é o sucateamento da engenharia pesada brasileira. Não por acaso, elevado número de empresas desse ramo está em difícil situação financeira.
A chaga das obras públicas está na insana busca do menor preço em desfavor da credibilidade. As consequências desse processo viciado são incontáveis e são a administração pública e, obviamente, o povo que arcam com os prejuízos. O ideal é analisar previamente a relação entre custo e benefício da obra, fatores como inovação técnica, método de execução e custos futuros com manutenção.
É fundamental que, na elaboração de editais, o equilíbrio econômico-financeiro e a qualidade técnica do empreendimento sejam levados em conta a fim de alcançar resultados satisfatórios para empreendedores, profissionais, gestores e, principalmente, para os cidadãos.
CLÉMENCEAU CHIABI SALIBA JÚNIOR, 48, é engenheiro civil e diretor técnico do Ibape (Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia)
Fonte: Folha de S. Paulo