O INCT Observatório das Metrópoles vem monitorando as obras de revitalização da região portuária do Rio de Janeiro, o projeto Porto Maravilha. Neste artigo, Orlando dos Santos Jr. e Mariana Werneck analisam os avanços e barreiras para um plano efetivo de habitação de interesse social na área central da cidade; e mostram que sem a vinculação de recursos e a definição de percentuais mínimos de construção, as ações de promoção de novas unidades de HIS são residuais e correm o risco de cair no vazio, prevalecendo apenas um processo profundo de mercantilização do território urbano.
O Observatório das Metrópoles vem desenvolvendo o projeto “Estratégias e instrumentos de planejamento e regulação urbanística voltados à implementação do direito à moradia e à cidade no Brasil”, com financiamento da Fundação Ford.
A pesquisa visa monitorar e influenciar políticas nos municípios do Rio de Janeiro, São Paulo e Fortaleza com foco na função social da propriedade, inclusão socioterritorial da população de baixa renda e ampliação do acesso aos serviços urbanos. Integram o projeto o LabHab de Fortaleza, coordenado pelo profº Renato Pequeno também pesquisador da Rede Nacional Observatório das Metrópoles; e o LabCidade (FAU/USP), coordenado pelas professoras Raquel Rolnik e Paula Santoro.
A pesquisa sobre Direito à Cidade no Rio de Janeiro tem como foco as obras de revitalização da zona portuária da cidade, chamado Projeto Porto Maravilha. O recorte principal é avaliar as ações voltadas para a habitação de interesse social no porto e a forma como as famílias que já viviam na região estão participando do processo.
O artigo “Morar no Porto Maravilha: por um plano participativo de habitação de interesse social” é parte dos resultados da pesquisa, e tem como propósito ampliar o debate sobre HIS no território urbano do Rio de Janeiro e a construção de uma cidade mais democrática.
MORAR NO PORTO MARAVILHA
Por um Plano Participativo de Habitação de Interesse Social
Por Orlando Alves dos Santos Júnior e Mariana Werneck
O projeto de revitalização da zona portuária do Rio de Janeiro, o Porto Maravilha, foi instituído por meio da lei complementar 101/2009, e tem como uma das suas principais justificativas a garantia do direito à moradia da população e a promoção de habitação de interesse social na área portuária.
Mas as boas intenções do projeto, pelo menos por enquanto, terminam por aí. Na prática, as intervenções e os principais instrumentos que estão sendo implementados atendem aos grandes interesses dos agentes do mercado: isenções e incentivos fiscais, comércio de certificados de potencial construtivo, operações em bolsas de valores, parcerias público-privadas. E a habitação de interesse social? Sem vinculação de recursos e a definição de percentuais mínimos de construção de habitação social nos diversos setores que compõe a área portuária, as ações de promoção ou produção de novas unidades de habitação de interesse social são residuais e correm o risco de cair no vazio.
Até o primeiro semestre de 2013, a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (CDURP) – responsável pela gestão do projeto de revitalização da área portuária – divulgava somente a produção de aproximadamente 500 unidades habitacionais por meio do projeto Novas Alternativas, programa municipal de revalorização do patrimônio. Em agosto desse mesmo ano, o prefeito Eduardo Paes então anunciou a construção de 2.200 habitações na região portuária por meio do programa Minha Casa, Minha Vida. A informação foi apurada em dezembro de 2014 no seminário Morar no Porto, promovido pela Central de Movimentos Populares e pelo Observatório das Metrópoles, onde a CDURP explicou que estas unidades seriam distribuídas a princípio em qualquer setor do Porto, “o mais misturado possível”, em empreendimentos de até 200 unidades.
Todavia, somente 68 novas unidades habitacionais foram licenciadas até abril de 2015, e sua construção ainda sofre atrasos, talvez devido ao desinteresse do setor da construção civil, em razão da baixa rentabilidade em empreendimentos de dimensões reduzidas. A aprovação dos projetos também enfrenta alguns entraves na Caixa Econômica Federal, já que projetos com número menor de unidades e previsão de uso misto (residencial e comercial) fogem ao desenho do próprio programa federal, voltado para grandes conjuntos na periferia.
Paralelamente, existem iniciativas de produção de habitação de interesse social pelos movimentos de moradia, entre os quais vale destacar dois projetos. Um deles, o Quilombo da Gamboa, é organizado pela Central de Movimentos Populares (CMP) e pela União Nacional por Moradia Popular (UNMP) e envolve a construção de 114 unidades habitacionais; o outro, a Mariana Criola, é coordenado pelo Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e atenderá cerca de 60 unidades. Ambos os projetos, no entanto, envolvem terras da União, são financiadas pelo programa Minha Casa, Minha Vida Entidades, e não contam com aportes financeiros diretos provenientes da operação urbana do Porto Maravilha.
Enquanto isso, prosseguem, a todo vapor, as obras de infraestrutura, a construção do sistema VLT – Veículo Leve sobre Trilhos, a abertura de novas vias, a construção de túneis, com várias das obras previstas já concluídas. E nesse ambiente, percebe-se a construção de alguns grandes empreendimentos comerciais e hotéis de luxo, beneficiados com incentivos fiscais.
Ausência de prioridade para habitação popular
No cenário atual, restam poucas dúvidas de que, até o momento, a habitação de interesse social não tem sido uma prioridade. E isso fica evidenciado por vários aspectos: em primeiro lugar, não existe um plano de habitação de interesse social vinculado à operação urbana, prevendo percentuais nos diferentes setores nos quais a área é dividida. Em outras palavras, as obras de urbanização que estão sendo realizadas não levam em consideração a produção de habitação popular na área portuária, nem respondem a esta necessidade.
Além disso, apesar de estar instituída a Área de Especial Interesse Social do Morro da Providência, não existe um plano de urbanização, elaborado de forma participativa, que defina os diferentes padrões de usos do solo nesta área, conforme determina o plano diretor da cidade do Rio de Janeiro.
Por fim, chama a atenção a inexistência de canais de participação, amplos e democráticos, em torno desta temática, como, por exemplo, um fórum público de discussão sobre habitação de interesse social na área portuária. Essa proposta, apresentada pelo Observatório das Metrópoles no seminário Morar no Porto não foi acolhida naquele momento pela CDURP e pela Prefeitura do Rio.
As perspectivas e as incertezas: qual o futuro da habitação popular na área portuária
Incorporando a reivindicação dos movimentos populares, o Ministério das Cidades emitiu, em dezembro de 2014, uma instrução normativa sobre operações urbanas que utilizam recursos do FGTS, no qual se exige como contrapartida aos projetos de intervenção urbana a elaboração de planos de habitação de interesse social. Em decorrência da Instrução Normativa nº 33, a prefeitura do Rio emitiu um decreto constituindo um grupo de trabalho institucional com a tarefa de coordenar a elaboração de um plano de interesse social na área portuária. Neste mesmo decreto, foi convocada uma audiência pública para o dia 10 de junho, para apresentação do diagnóstico e do cronograma visando a elaboração do chamado Plano de Habitação de Interesse Social do Porto (PHIS Porto).
No dia 10 de junho, a audiência foi realizada com a presença de representantes da Secretaria Municipal de Habitação, da CDURP, da Caixa Econômica Federal e do Instituto Pereira Passos (IPP). A audiência foi aberta pelo secretário de habitação, Carlos Portinho, que anunciou o compromisso do poder público com um processo participativo na elaboração do PHIS Porto, o qual, segundo determinação da Prefeitura do Rio, deve estar pronto até agosto de 2015. Eduarda La Roque, presidente do IPP, afirmou que a intenção é transformar este processo em um modelo de participação na elaboração de planos de habitação de interesse social. Da mesma forma, Alberto Silva, presidente da CDURP, reafirmou o compromisso com a produção de habitação de interesse social no âmbito do Porto Maravilha. Após a apresentação do diagnóstico socioeconômico, foi divulgado um calendário de plenárias temáticas de discussão do plano de habitação de interesse social, assim como foi instaurada uma consulta pública aberta a todos os cidadãos até o mês de julho, processo que culminará com a aprovação do Plano pelo Conselho Municipal de Habitação Social em agosto de 2015.
O processo de elaboração de um plano de habitação de interesse social na área portuária abre novas perspectivas de atuação no projeto Porto Maravilha. Mas esta inciativa requer a efetiva participação da sociedade organizada e demanda monitoramento social, de forma a reverter o atual sentido da revitalização da zona portuária – fortemente vinculado aos interesses do mercado imobiliário e à elitização desta área – e promover finalmente a função social da propriedade e o direito à cidade.
Vale registrar que, de acordo com a instrução normativa emitida pelo governo federal, o Plano de Habitação de Interesse Social deve conter, no mínimo: quantificação e qualificação da demanda por habitação na área da operação urbana, com ênfase para a habitação de interesse social; levantamento de áreas e imóveis disponíveis para provisão de habitação de interesse social; propostas de ações e estratégias para oferta habitacional em formatos variados, visando o suprimento de um estoque de habitações capaz de responder tanto ao passivo existente quanto à demanda projetada para o final da operação; e a indicação de áreas e/ou imóveis para a instituição de Zonas Especiais de Interesse Social, assim como outras medidas que proporcionem a permanência da população de baixa renda na área da operação urbana.
Nesse sentido, é preciso que o PHIS Porto estabeleça, de forma efetivamente participativa: (i) a garantia da permanência de todos (as) que habitam nos bairros que compõem a área portuária; (ii) um percentual de produção de novas unidades, no mínimo 50%, destinadas à habitação de interesse social, situados em todos os setores da operação urbana; (iii) um percentual dos recursos da própria operação urbana para financiar a produção dos imóveis de interesse social; (iv) espaços públicos e serviços urbanos destinados à população local de forma a garantir a qualidade da vida urbana na região; (v) um plano de urbanização, elaborado de forma participativa para a área de especial interesse social do Morro da Providência; e (vi) a gestão democrática e participativa dos novos equipamentos e serviços instalados na área portuária.
Fonte: Observatório das Metrópoles