Por Abnor Gondim
Para minimizar as fraudes em contratações públicas no Brasil e escândalos como os que abalaram a Petrobras, é preciso acabar com o sistema de carta-convite implantado nessa estatal em 1997, limitar os aditivos nos contratos públicos e extinguir o Regime Diferenciado de Contratações (RDC). Isso se faz com planejamento, acompanhamento e avaliação das obras.
A opinião é do relator da comissão especial criada na Câmara dos Deputados para propor um projeto de reformulação da Lei de Licitações (Lei 8.666/93), deputado federal do PDT mineiro, Mário Heringer. Ele pretende colocar a matéria em plenário no segundo semestre deste ano.
“Isso [a carta-convite] possibilitou que Petrobras, por exemplo, trabalhasse com carta marcada, com cartel formado”, afirmou Heringer em entrevista ao DCI, referindo-se ao decreto 2.747/98, que criou o Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado da estatal.
Na entrevista, o relator também critica o RDC, usado pela primeira vez pelo governo para obras da Copa do Mundo e expandido a vários setores. “Se dependesse única e exclusivamente de mim, [o RDC] seria extinto”, atacou, defendendo que o poder público faça melhor planejamento das obras a serem licitadas. “No Brasil não se planeja, se improvisa.”
Existe compromisso de que o projeto tenha prioridade nas votações?
Mário Heringer: Somos uma comissão de estudo das leis, mas com o compromisso do presidente da Casa, Eduardo Cunha, de que, no final, nós faremos uma proposta que será levada imediatamente ao plenário. Esse é o propósito do presidente, embora ainda não tenhamos discutido com o governo.
Qual é a expectativa da comissão?
Heringer: É a de tentar minimizar as possibilidades de fraudes em licitações. O Brasil tem hoje essas histórias que estamos vendo na mídia, que são decorrentes desse processo de frouxidão e da esperteza de algumas pessoas em relação às licitações. O dinheiro público está sendo cuidado de maneira inadequada. Não sei se vamos conseguir ter 100% de controle, até porque a criatividade de quem dá golpes é sempre muito grande. Mas, efetivamente, precisamos melhorar algumas posições.
O que precisa ser modificado na Lei 8.666?
Heringer: No Brasil não se planeja, se improvisa. Isso precisa ser revisto. A fase do planejamento para começar o processo é a mais importante. Por exemplo, quando queremos construir uma estrada saindo de X, para chegar a Y, depois que toda a licitação acontece, que a empresa sabe o que tem pelo caminho, como rios, propriedades privadas e, a partir desse fato, cria-se a possibilidade de aditivos contratuais, então o gasto será bem maior. Isso deve acabar. Na fase do contrato, tudo deve ser feito de uma maneira que compreenda a inicialização, desenvolvimento até o final do contrato. Os contratos não são cumpridos adequadamente. O controle disso é fraco.
Deve continuar ou deve ser extinto?
Heringer: Se dependesse única e exclusivamente de mim, seria extinto. A Lei 8.666 é uma, mas a partir dela se cria o RDC e abrindo para várias áreas, de uma maneira desgovernada, cada um com suas alegações, entre elas de que isso agiliza o processo de contratação de serviço. Esses argumentos flexibilizaram essa lei e vimos que o resultado não foi bom. Nós vamos encontrar esse procedimento em quase todas as licitações do Brasil. Precisamos ter uma lei para todos, de maneira uniformizada e, se por acaso, precisar abrir exceção, terão de ser tratadas como exceções, de fato.
E a carta-convites?
Heringer: Isso possibilitou que a Petrobras, por exemplo, trabalhasse com carta marcada, com cartel formado. Tenho certeza de que a flexibilização da lei abriu precedentes para corrupção na Petrobras. O próprio atual presidente da Petrobras veio a público nos últimos dias admitir que a carta-convite não é algo bom. É claro que não é bom. Nem devia ter começado, é uma relação de poder, os convites são feitos a quem o gestor quiser e o resultado não foi bom. Uma alternativa pode ser a ampliação das listas das prestadoras de serviço, não pode ser convite, de repente pode-se fazer até mesmo um sorteio, um método claro. No caso de obras, por exemplo, podemos criar um catálogo de empresas capacitadas a executar determinados projetos, com habilitação extemporânea. Outro exemplo, vamos fazer a transposição do rio São Francisco. Queremos a apresentação do projeto em 30 dias. Quem vai apresentar esse projeto nesse pouco espaço de tempo? Só quem já sabia que essa licitação iria acontecer, combinado com o gestor.
Como deve ficar a questão do menor preço?
Heringer: A licitação, quando feita só por preço, é algo muito ruim. O gestor fica, nesse aspecto, pressionado. O menor preço só é bom quando atende à qualidade esperada. O edital deve ter as especificações, sem direcionamento para determinadas marcas, para assim contemplar subjetivamente o objetivo para o qual foi feito.
Como deve ficar para as micro e pequenas empresas?
Heringer: Acredito que os privilégios devem ser mantidos e que não deve haver mudanças. Toda empresa capacitada de participar poderá competir. Vamos criar igualdade de oportunidade, com expertise e menor preço possível para todos.
DCI: O pregão eletrônico pode ser ampliado?
Heringer: Ampliado, reformulado ou até mesmo extinto. Ainda não há uma decisão fechada sobre isso. O pregão tem uma espécie de maldade do jogo, onde o sujeito está em frente ao computador jogando. E esse jogo, baseado exclusivamente no preço, cria um sério problema.
Fonte: DCI