Mesmo tendo se mostrado ineficaz na agilização das obras de mobilidade urbana e alguns aeroportos planejados para a Copa do Mundo, o controverso Regime Diferenciado de Contratação (RDC) continua com grande prestígio junto ao poder público. A agenda do Senado desta terça-feira, 5 de agosto, inclui a votação do Projeto de Lei do Senado 559/2013, proposta de revisão da Lei Geral de Licitações (8.666/1993), que teoricamente extingue com o Regime Diferenciado de Contratações, mas na prática torna definitivo o instrumento que o viabilizou: a “contratação integrada”.
O paradoxo é um dos 175 artigos do projeto, fruto do trabalho de uma comissão nomeada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, em junho de 2013, que teve como relatora a senadora Katia Abreu (PMDB-TO). Entidades do setor de arquitetura e engenharia são a favor da atualização da lei em vigor, mas se opõem vigorosamente à consagração da “contratação integrada”.
Por essa modalidade, a administração pública licita qualquer obra com base apenas em um anteprojeto. Na opinião do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), o correto seria realizar a concorrência da obra apenas depois da elaboração do “projeto completo”, única forma de garantir a qualidade do empreendimento, um orçamento baseado em preços justos e um cronograma físico-financeiro preciso. Se o PLS 559/2013 não for alterado, os projetos completo (também chamado de básico) e executivo das obras púbicas ficarão por conta da empreiteira que cuidará da construção, o que cria um conflito de interesses. “A construtora visa o lucro, não terá o mesmo zelo na definição dos materiais a serem usados, por exemplo, que o projetista contratado pelo poder público, cujo objetivo deve ser a qualidade”, observa Haroldo Pinheiro, presidente do CAU/BR. “Quem projeta não constrói, quem constrói não projeta”. Além do mais, Pinheiro chama a atenção para o significado da medida para o planejamento da infraestrutura e dos espaços públicos do país: “O Estado estará delegando a terceiros seu dever de planejador”.
Junto com o PLS 559/2013 deverão ser examinadas diversas emendas, entre elas quatro apresentadas pela senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), também relativas à “contratação integrada”. Essas emendas são oriundas do polêmico parecer dado pela senadora paranaense à MP 630/13, derrubada no Senado no primeiro semestre de 2014, que visava generalizar o uso do RDC para todas as obras públicas do país, em todas as esferas. Se as emendas forem aceitas, a senadora Gleisi Hoffmann terá, enfim, alcançado seu objetivo.
Uma das emendas possibilita à empreiteira executora da obra se responsabilizar também pela manutenção e/ou operação do objeto executado por prazo não superior a cinco anos. Outra dispensa os vencedores das licitações via “contratação integrada” de seguirem – como se exige nas demais modalidades – os parâmetros de custos do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi) e do Sistema de Custos de Obras Rodoviárias (Sicro). As empreiteiras estão livres para utilizar os preços que quiserem. Na mesma linha, uma terceira emenda de Gleisi Hoffmann dispensa as empreiteiras de entregarem ao contratante o detalhamento dos quantitativos e custos unitários, bem como das Bonificações e Despesas Indiretas (BDI) e dos Encargos Sociais (ES). Isso significa que o poder público e os tribunais de contas não terão parâmetros para julgar os eventuais pedidos de aditivos.
A quarta emenda diz que, para se valer da “contratação integrada”, a obra deve envolver inovação tecnológica ou técnica; execução com diferentes tecnologias ou com execução com tecnologias de domínio restrito. Conceitos amplos demais, que podem abranger desde as paredes de PVC que estão sendo utilizadas em creches públicas, por exemplo, até novos métodos de abertura de túneis. Na mesma emenda, Gleisi Hoffmann faculta o julgamento da proposta por critério diferente do tradicional, de técnica e preço. Isto é, o critério de seleção apenas por preço também seria válido.
Aliás, pelo PLS 559/2013 também os projetos de arquitetura e engenharia poderiam ser contratados apenas pelo critério de preços, como ocorreria nas modalidades “pregão” e “ata de registro de preços”. Para o CAU/BR trata-se de outro absurdo, uma vez que os projetos são serviços técnicos profissionais especializados de natureza predominantemente intelectual, de complexidade imprevisível, que exigem profissionais altamente qualificados ou especializados. Distinguem-se dos demais serviços e mesmo entre si, e muito mais ainda de objetos como mesas, lápis e rolos de papel higiênico, de especificação objetiva e, portanto, possíveis de compra pelo critério de menor preço.
O CAU/BR defende que tais serviços sejam contratados pelas modalidades de “melhor técnica” ou “técnica e preço”, prevalecendo nesse caso 70% dos pontos para técnica e 30% para o preço, ou preferencialmente por concurso público de projetos.
Fonte: Artigo de Júlio Moreno, assessor de imprensa do CAU/BR, publicado no Blog do Augusto Nunes na Veja