Publicado em “O Globo”, artigo do conselheiro federal traz reflexão sobre legado das Olimpíadas
Falta pouco mais de um ano para o Rio reviver o clima de festa que aconteceu durante a Copa do Mundo no ano passado. Estima-se que nos Jogos Olímpicos de 2016 deverão estar circulando pela cidade 480 mil turistas, mais de 10 mil atletas, 25 mil profissionais da mídia e cerca de 70 mil voluntários. Abstraindo os bons resultados esperados para a economia local, cabe perguntar o que esse mega evento irá proporcionar para a cidade a médio e longo prazo. Uma coisa é certa: o Rio não será mais o mesmo depois desse conjunto de obras realizado em praticamente toda a cidade.
Passados seis anos da conquista do direito de sediar as Olimpíadas, quase todos os compromissos assumidos estão sendo cumpridos nos prazos estabelecidos. Infelizmente, alguns ficaram pelo caminho: a despoluição da Baía de Guanabara e das lagoas da Barra, a urbanização das favelas e a melhoria do sistema ferroviário. Outro aspecto a lamentar foi a decisão de transferir a Vila da Mídia e dos Árbitros da região portuária para a Barra da Tijuca. Perdeu-se, dessa forma, uma excelente oportunidade para introduzir novas tipologias habitacionais e algumas propostas inovadoras de desenho urbano no planejamento do Porto Maravilha.
Agora não adianta chorar o leite derramado. Só resta cobrar a melhor qualidade possível nas obras ainda não concluídas. É agora ou nunca. O Parque de Madureira com suas áreas verdes e seus equipamentos de lazer — onde se inclui o interessante projeto da Nave do Conhecimento com seu relevante papel cultural e educativo — demonstra que isso é possível. Esse amplo espaço de convívio social vem contribuindo significativamente para valorizar a ambiência urbana naquela região.
Apesar da atual correria ainda resta tempo para melhorar algumas obras em andamento. Uma delas é a construção da nova alameda litorânea ligando a Praça XV à Praça Mauá que está sendo tratada pelo consórcio de empreiteiras como se fosse uma obra corriqueira de simples pavimentação. Nesse mesmo trajeto deparamos com um decrépito restaurante da Marinha comprometendo a paisagem local e interferindo na perspectiva do belíssimo conjunto do Mosteiro de São Bento. São exemplos negativos que merecem providências imediatas.
Outro aspecto preocupante é a nova destinação de uso que a Companhia Docas do Rio de Janeiro pretende dar aos primeiros armazéns do cais do porto. Qualquer iniciativa que restrinja o livre acesso da população até a proximidade da frente marítima não pode ser tolerada. A prevalecer essa intenção, perde o sentido a onerosa construção do túnel subterrâneo e a criação do extenso calçadão ao longo desses armazéns. O poder público tem o dever de empregar todos os instrumentos cabíveis para impedir qualquer utilização indevida daquele espaço. A população carioca não pode ser relegada ao segundo plano e muito menos ficar submetida a tal arbitrariedade.
Nos tempos atuais, não dá para fechar os olhos diante da cultura de se dar bem à custa de concessões com o dinheiro público, seja nos financiamentos espúrios, nos orçamentos viciados, nas obras sem projetos executivos ou nos reajustes para recuperar obras mal feitas. Há muita coisa obscura por trás de certas parcerias público-privadas. O noticiário cotidiano confirma a veracidade dessa afirmação. O dinheiro gasto desnecessariamente será aquele que irá faltar em outras destinações mais relevantes. Não podemos jogar sobre as crianças de hoje o ônus futuro desse inconsequente pragmatismo de resultados imediatos.
Em suma, é indispensável assegurar as condições necessárias para que os espaços públicos do Rio adquiram novos e elevados padrões de qualidade. Adotar esses procedimentos representaria um passo significativo para fortalecer a cidadania e elevar a autoestima da população carioca. Esperamos, portanto, que essa meta venha a se constituir como o principal legado das Olimpíadas de 2016.
Publicado em 07/07/2015. Fonte: O Globo (reprodução autorizada pelo autor).