Fatos recentes demonstram que há uma grande apreensão entre os gestores públicos e as empresas privadas.
Na medida em que os grandes conglomerados financeiros passaram a interferir no comportamento das sociedades contemporâneas, novos hábitos de consumo foram sendo introduzidos no mundo globalizado. A necessidade de renovação constante da imagem dos objetos industrializados extrapolou os limites da sua abrangência e chegou à produção arquitetônica e urbanística. Essa postura mercadológica está evidenciada em algumas cidades contemporâneas onde o efêmero predomina sobre o duradouro.
Para o cultuado arquiteto holandês Rem Koolhaas, professor e pesquisador na Universidade de Harvard, algumas cidades irão despontar no século XXI destituídas de qualquer espécie de identidade. Dubai, o oásis pós-moderno do Oriente Médio, é um exemplo de “cidade genérica” que pode ser vista como um espaço híbrido destinado prioritariamente aos negócios, ao turismo e ao entretenimento.
Desprovidas de história e de intenção de permanência, elas são criadas pela aplicação perdulária dos petrodólares e dos recursos advindos da especulação econômica. Trata-se de um jogo onde o capital financeiro entra em cena para ditar as regras e os meios para a construção dessas cidades. À medida que esses modelos urbanos e de empreendimentos imobiliários forem sendo superados por outros melhor identificados com o marketing da ocasião é provável que as edificações existentes sejam abandonadas e, consequentemente, a própria cidade seja desconstruída.
Não pretendo aqui questionar os conceitos que envolvem a cidade do futuro. Pelo contrário, o que proponho é que se estabeleça um distanciamento suficiente para permitir uma reflexão conceitual sensata sobre a essência e o caráter desses modelos emergentes de cidade. A História da Humanidade nos apresenta alguns momentos trágicos em que o emprego inconteste de ideologias sectárias fez com que algumas sociedades convivessem com a intolerância e a barbárie. É preciso, portanto, quebrar a hegemonia do pensamento único que vê as sociedades seguindo os rumos de um determinismo financeiro que prevalece acima de qualquer outra coisa.
Mesmo não sendo uma tarefa fácil, principalmente por envolver países e organizações beneficiadas por esse modelo de desenvolvimento, o momento atual é favorável a este tipo de reflexão. Afinal, os estados nacionais e as grandes empresas vivem momentos de incerteza diante da retração econômica mundial. Até nos países mais desenvolvidos se percebe a forte pressão exercida pelos altos índices de desemprego e pelos aspectos de segregação social.
Não há dúvida de que em meio a esse contexto recessivo o estado brasileiro será obrigado a rever algumas de suas iniciativas. O desperdício de dinheiro público em obras desnecessárias exigirá maior rigor na definição das prioridades nacionais. A magia das “parcerias público-privadas” não mais oferecerá às grandes empreiteiras os atrativos que elas desfrutaram nos últimos anos. As planilhas orçamentárias para reajustes das obras públicas e concessões diversas não deverão ser elaboradas com a liberalidade praticada anteriormente.
Fatos recentes demonstram que há uma grande apreensão entre os gestores públicos e as empresas privadas. Já não há mais a certeza da impunidade. Chegou a hora, portanto, de tratar o desenvolvimento urbano de nossas cidades com mais seriedade e transparência. Não será por meio de modelos exclusivistas de agenciamento urbano que iremos responder às demandas maiores da nossa sociedade.
Contudo, há uma luz no fim do túnel. Acaba de ser promulgado o decreto que cria o “Estatuto da Metrópole” e que vem preencher uma lacuna existente no planejamento das cidades brasileiras. Entre outras medidas, ele restabelece a importância do planejamento urbano integrado e da gestão compartilhada entre o estado, os municípios e a própria sociedade.
Luiz Fernando Janot
Arquiteto e Urbanista
Conselheiro do CAU/BR pelo Rio de Janeiro e coordenador da Comissão Ordinária de Exercício Profissional do CAU/BR