A oferta expressiva, na mídia, de lançamentos residenciais na região metropolitana – particularmente em Osasco, Guarulhos e no ABC – dirigida a moradores de São Paulo leva alguns analistas a questionar se a qualidade de vida na capital vem caindo, tendo a indústria da construção descoberto que essas cidades vizinhas oferecem atributos mais atraentes. Não parece ser o caso.
A questão concentra-se nos preços, cada vez mais inacessíveis para as famílias de renda média. E esse descompasso tende a crescer, porque a oferta imobiliária residencial na cidade logo estará sob o impacto do custo das outorgas (autorização para construir acima do estipulado) e das limitações de construção impostas pelo Plano Diretor atual.
Estudos do Núcleo de Real Estate da Poli-USP permitem medir alguns parâmetros que ajudam a explicar essa migração, quando se analisam dados econômicos de 2005 até 2015.
Utilizamos a base de 2005 – início da nova era do mercado imobiliário brasileiro, com a abertura de capital de muitas empresas, o que se traduziu, não só no crescimento da oferta, mas em empreendimentos formatados sob uma disciplina mais avançada de planejamento.
Nesse ciclo, o poder de compra de uma família de renda média (confrontando o movimento dos preços pelo indicador IVG-R, do Banco Central, com dados de amostras que procuram refletir o mercado) caiu cerca de 50%. Assim, a mesma família que podia comprar 80 m ² pelo indicador IVG-R em junho de 2005 tem que se contentar com 40 m² em junho de 2015.
O poder de compra relativo caiu à razão de 12% anual até 2011, quando se observou o pico de uma bolha de preços no mercado e, daí em diante, caiu 0,5% ao ano, sob efeito do desmonte da bolha e de uma melhor acomodação dos custos dos empreendimentos (dos terrenos, inclusive) à evolução da renda do mercado.
Avaliamos o poder de compra na cidade de São Paulo, especificamente, utilizando a curva de evolução da renda em confronto com os preços de índice da Fipe, usando uma origem projetada para junho de 2005 nas porções de renda média na vizinhança do parque Ibirapuera e migrando pelos eixos oeste até Osasco, leste até Guarulhos e sul até o ABC.
Essa quebra de poder de compra do consumidor, relacionando as rendas com os preços, explica os movimentos de saída por esses eixos, muito mais do que qualquer questão urbanística.
Vem ocorrendo uma queda de qualidade de vida, porque essas cidades têm se transformado em dormitório para mais pessoas que continuam trabalhando em São Paulo – agora sob a pressão de maior tempo e desconforto nos deslocamentos diários obrigatórios.
O cruzamento dos dados enfatiza que as famílias de renda média vêm desqualificando sua condição de residência ao longo desses dez anos. Ou seja, a alternativa é morar em 40 m² perto do trabalho, em São Paulo (ponto de origem da nossa medida de poder de compra) ou optar por um imóvel de 58 m² a 71 m² a duas horas do trabalho.
Os preços em São Paulo serão inflados quando a nova safra de empreendimentos vier à oferta, embarcando os custos elevados dos terrenos privilegiados nos “eixos de estruturação da transformação urbana”, segundo definidos pelo Plano Diretor (Lei 16.050/ 2014), somados ao preço das outorgas.
Ou seja, o movimento para “fora da cidade”, pressionando ainda mais a oferta de transporte e a qualidade de vida das pessoas que aqui trabalham, tende a se intensificar. E, para completar, esses deslocamentos acabarão por agravar ainda mais a mobilidade urbana em São Paulo.
Por João da Rocha Lima Jr., professor de mercado imobiliário da Poli-USP e dono da consultoria de negócios Unitas
Fonte: Folha de São Paulo, Imóveis, 28/06/2015